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Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

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No final de setembro, o Partido Novo recebeu uma notícia alvissareira – e, ao mesmo tempo, o PSDB sofreu grande baque simbólico. Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, economista profundamente identificado com o Plano Real e a herança da estabilização econômica dos governos Itamar Franco e FHC, estava assumindo a presidência da fundação da jovem legenda de tendências liberais e abandonando o partido social democrata.

“Quando o PSDB se constituiu”, ele expressou em carta aos antigos correligionários, “o Muro ainda existia em Berlim e as ideias pró-mercado não tinham outra alternativa razoável no sistema partidário que pudesse acomodá-las. Mas, dentro do PSDB, ficavam submetidas a toda sorte de disfarces e condicionantes, embora mais retóricos do que práticos. Com o tempo, foi ficando cada vez mais despropositado reafirmar tantas ressalvas às ‘leis do mercado’, quando esta disciplina se mostrava francamente em falta no Brasil e seu fortalecimento e desenvolvimento vinha sendo o centro conceitual da maior parte das reformas importantes que o partido apoiou e realizou, aí incluído o Plano Real”. E ressalva: “As hesitações em abraçar a novidade sempre foram incômodas. A diversidade de visões sobre a economia sempre existiu dentro do PSDB, mas com os ditos ‘liberais’ em franca minoria”.

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Pudera. Quando veio à luz em 1988, sob os auspícios do então senador Mario Covas e outros políticos que, como ele, eram egressos do antigo MDB do regime militar e estavam descontentes com o governo Sarney – um intruso oriundo da antiga ARENA que acabou migrando para o “novo” PMDB -, o PSDB já nasceu reverberando uma constelação de ideias, todo um imaginário político que não ultrapassava os estreitos limites da ortodoxia da Nova República.

Não foi jamais um bloco monolítico, é claro; englobava, do “centro” para a esquerda, tendências democratas cristãs, liberais sociais e sociais democratas propriamente ditas. Acolheu, na prática, reformas econômicas mais responsáveis e realistas do que seus “adversários” no “teatro” da disputa partidária “neorrepublicana”. No entanto, seu espírito fundante não deixava de ser o da “brilhante nova era”, da maravilhosa “justiça social” encarnada no esfuziante (e obeso) documento da Carta Magna de 1988. Privatizações, por dinamizadoras que fossem, não poderiam ir tão longe a ponto de pôr a termo o sonho do “petróleo é nosso”; jamais o nobre Estado redentor poderia abrir mão de aproveitá-las para aumentar a carga tributária e levar adiante seu “dever messiânico” da distribuição de renda; se possível, esse Estado deveria até manter o controle acionário das empresas.

Fidel Castro deveria continuar a ser tratado como um símbolo de esperança. Os adversários truculentos do PT? Apenas oponentes com quem dividir o butim; mas Lula é um “símbolo popular” (!). O “trabalho” deve prevalecer sobre o “capital”. Seus caciques e fundadores estabeleceram para o PSDB um DNA limitador, um vício de origem; de cabelos brancos, seguem incapazes de abandonar plenamente os tempos de militantes da UNE ou de sociólogos gramscianos, numa negociação difícil com as imposições da realidade em que aqueles apegos estéticos outrora nutridos permanecem sempre garantindo um pedaço da fatia.

Do PSDB saíam vozes em favor das cotas raciais. Do PSDB saía a intenção de homenagear os totalitários de esquerda que combatiam o regime militar em prol da ditadura bolchevique ou maoísta. Do PSDB saiu, em 89, o apoio a Lula contra Collor – não, evidentemente, porque adivinhassem que o “caçador de marajás” seria a profunda decepção que foi, mas porque seu carisma de então era um abalo no projeto do “Brasil cor de rosa” tomado pelo “consenso social democrata”. Do PSDB saiu, em virtude de tamanha ociosidade covarde, a atmosfera que permitiu a chegada de Lula ao poder e os anos de extremismo lulopetista. Do PSDB saiu a continuidade do drama, ao optarem pelo “deixar sangrar” quando se escancarou perante a pátria o escândalo do mensalão. Também do PSDB vieram as oposições durante o ciclo de “bipartidarismo prático” em que “polarizaram” a disputa de esquerdismo e bom mocismo com os irmãos da estrela vermelha. Só o que não vinha, sobretudo nos anos FHC, era a condenação ao terrorismo do MST. Só o que não veio, por todo esse tempo, foi o orgulho de encampar as privatizações como valor. O partido se transformou na oposição “carguista” que fornecia uma retaguarda ideológica, uma estufa de proteção à ortodoxia política e moral – afinal, do PSDB para a direita, “não passarás”.

Eis que os tempos mudaram e veio o impeachment de Dilma. Veio a “nova direita”. Olavo de Carvalho e Mises exaltados nas ruas, em faixas e em cartazes afixados nos murais das universidades. Formadores de opinião e influenciadores, na imprensa, no mercado editorial e na Internet, se diziam abertamente “liberais”, “conservadores” ou de “direita”. Lula, o “símbolo popular”, aquele que temos que ter “cautela” antes de prender para não causar “uma comoção social”, desnudou-se, sob enxurrada de processos e investigações.

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Que fez o PSDB? Pouco mais do que tentar atrasar e administrar “cuidadosamente” um processo pelo qual bradava a população nas maiores manifestações de rua na História. Elementar; José Serra, FHC e companhia limitada não reconheciam ali a Passeata dos Cem Mil ou as Diretas Já. Era algo “conservador” demais, “fascista” demais para eles. Tinha gente, vejam só, querendo acabar com o PT! Querendo criminalizar o partido! Que absurdo! É obviamente uma corrente democrática como qualquer outra – que pecado teriam cometido além de querer transformar o Brasil numa ditadura e censurar a imprensa? Além de convocarem um “exército paralelo” em desafio à brasilidade indignada, em explícita afronta às Forças Armadas?

Aécio Neves foi o único tucano a chegar realmente perto de “bater” o PT em 2014. Um pouco em função de alguns méritos de sua retórica, é verdade. Fundamentalmente, porém, por conta da pressão dos novos ares. Da saturação da hegemonia ideológica. Do cansaço. Ele próprio não colheu frutos disso após a eleição. Se alguém chegou a acreditar que ele poderia ser o grande líder democrata a enfrentar o projeto autoritário da extrema esquerda, quedou-se do cavalo. O ex-governador mineiro, sob o atropelo de delações, áudios e covardias, derreteu a olhos vistos. Sua permanência no Senado hoje é apenas o prolongamento de um rito fúnebre para uma morte política anunciada; o PSDB como um todo, porém, ainda se ressente da contaminação.

Em descrédito, o PSDB paga o preço da luta interna entre a sua identidade e a pressão do desarranjo no imaginário e na ortodoxia da Nova República, ocasionado pela gigantesca decepção com o “sindicalista” e a “primeira mulher”, com o “nunca antes na história deste país”, com o “fim da pobreza”. O PSDB clássico, apegado às suas raízes, não tem instrumentos para ocupar o vácuo e conversar com esse questionamento. A divisão entre jovens e velhos tucanos, “cabeças brancas” e “cabeças pretas”, que vem sendo adotada pelas redações de jornal, reflete o resultado dessa pressão; lideranças do PSDB resolveram absorver essa retórica, falar mais grosso, defender privatizações e não ter mais medo de Lula. Despontam João Doria e Nelson Marchezan Jr. O primeiro, auxiliado por Geraldo Alckmin, chega à prefeitura de São Paulo e se torna sensação. Há quem o aponte como a esperança liberal, ou, como disse recentemente o jornal O Globo, como o grande “representante dessa corrente” no país.

Nada que não possa degringolar. Quando muitos começam a se entusiasmar, Nelson se indispõe com o que chama de “liberais de contos de fadas” e sinaliza um aumento altamente questionável do IPTU. Já Doria se põe a flertar com taxações e não vê problemas em deixar Aécio presidindo o partido porque “falta pouco para ele sair” (!). Preserva em nítida e boa medida o imaginário a que a legenda se escraviza, em pontos fundamentais como a questão do armamentismo – em que o prefeito de São Paulo é um cético da liberação das armas, mesmo diante dos sessenta mil homicídios por ano, alçando a segurança pública ao posto inquestionável de maior problema do Brasil, e explicitando que vivemos em um país conflagrado.

Ainda assim, com tantos defeitos crônicos, esses líderes mais jovens que despontaram vinham sendo, comparativamente, a melhor notícia vinda do PSDB. Que faz o PSDB, mais uma vez? Confuso, em uma revoada de tucanos se bicando uns aos outros, o partido se fracionou, se convulsionou, rodando feito barata tonta em torno de si mesmo. No fim das contas, quando tentam voar fora da gaiola, os tucanos logo se desentendem e acabam rapidamente pousando na mediocridade. O nome de Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, padrinho político de Doria, voltou a reluzir acima do afilhado como provável indicação do PSDB à presidência da República. Alckmin, que não conseguiu deter Lula em 2006, para quem o problema à época era que “Lula mudou” – isto é, incapaz de apontar a insanidade das teses petistas e do líder sindicalista desde sempre -, parece ser novamente a alternativa tucana.

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Ele é, desde sempre, mais moderado e menos à esquerda que um José Serra e, provavelmente, que o próprio Fernando Henrique Cardoso, por exemplo. Talvez não seja tão tiro no pé. Talvez Alckmin seja capaz de quebrar a barreira ideológica e finalmente se orgulhar das privatizações, desfraldar a bandeira da inserção do Brasil no grande mercado, dar o passo adiante na superação dos entraves varguistas. Talvez o PSDB ainda possa se reinventar! Talvez Gustavo Franco tenha sido afobado demais em sair!

Pois é… Aí Geraldo Alckmin vai palestrar e buscar aplausos em evento organizado pelo movimento… Tcharam… “PSDB Esquerda Pra Valer”! Um movimento que acredita que seu afilhado Doria é uma petulante infiltração direitista no partido e que é preciso empurrar o PSDB de volta às suas origens. O problema, claro, é sempre a “direita”. O país foi demais em direção a essa fantasmagórica “direita” e precisamos corrigir os rumos com mais “esquerda”! O PT, como disse Alckmin há algumas semanas, foi de “extrema direita”, porque “ajudou os banqueiros” (sic). A esquerda, na verdade, não busca o auxílio dos poderosos, nem mantém uma classe de empresários a seu dispor e mamando nas tetas do Estado em lugar nenhum… Não, imagina! A esquerda representa o bem e a justiça sobre a Terra – essa sacrossanta virtude simbólica que jamais se materializou no mundo. Cultivar o sonho ainda é o melhor para o país! Manter a chama acesa! Como a acenderam nos anos 60, e de novo em 1988, e de novo em 2002.

Para o afago da claque, disse Alckmin: “O laissez-faire, o liberalismo completo, é a incivilização. Porque é o grande comer o pequeno. O rico esmaga o pobre. Não tem economia moderna sem consumo nem salário ou renda. Não existe isso. Nós temos que ter um foco na inovação e outro na questão social. Aí vem a social democracia. Você contrapõe a questão civilizatória (insistindo em uma política de livre mercado) porque você tem que ter regras de convívio social. O grande não pode pisar em cima do pequeno. Tem que ter um mínimo de regras”. O Estadão avaliou que o objetivo do governador é “resgatar os valores originais do PSDB, apostando no investimento em políticas sociais” para se diferenciar de candidatos “com discurso de direita”, bem como “herdar os votos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva caso o petista seja impedido de disputar as eleições do ano que vem”.

Não precisamos entrar no mérito quanto ao liberalismo consistir necessariamente no absoluto e hipotético “laissez-faire”, algo que Hayek, por exemplo, negava. Fato é que sequer com o pensamento liberal enquanto signo, enquanto símbolo, na atual quadra histórica, o provável candidato Alckmin quer conversa. Muito investimento direto no consumo para artificialmente alimentar a economia? Qual é a diferença do que temos visto até aqui? Qual a mudança? O que se pode esperar de alguém que entra na disputa com essa retórica é uma modificação superficial de figurino para reajustar as peças do jogo dentro da mesma redoma de sempre.

Em sua confusão, em suas trocas de farpas – ou bicadas -, os tucanos voaram para longe da órbita do mundo real para pousarem de volta exatamente no ponto de partida. É um caso peculiar de um partido que aventou uma porção de nomes possíveis de candidatos até agora, mas em que isso não significa, de forma alguma, vitalidade democrática ou pujança de possibilidades. Significa apenas uma nau desgovernada, uma indecisão crônica, uma tibieza genética. Gustavo Franco não foi tão longe a ponto de afirmá-lo, mas é provável que o PSDB não tenha muito mais a oferecer ao Brasil.

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