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O Brasil, como o restante da América Latina, possui instituições republicanas capengas e uma cultura estatizante, o que faz com que populistas de tempos em tempos cheguem ao poder e abusem dele, produzindo resultados catastróficos com base em visões ideológicas ultrapassadas com fortes pitadas de demagogia.

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A onda socialista bolivariana que varreu o continente nas últimas décadas deixou um rastro de miséria e corrupção, e a reação era inevitável. O problema é que o ciclo costuma se repetir: do vermelho esquerdista para o verde-oliva autoritário, em busca de ordem e segurança. E assim a democracia republicana nunca avança.

Esse foi o tema da palestra de Ricardo Gomes este ano no Fórum da Liberdade em Porto Alegre, e vale a pena assisti-la na íntegra:

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É absolutamente compreensível rejeitar essa “democracia” corrompida que temos hoje, com apoio de uma imprensa partidária e enviesada. Mas é preciso tomar muito cuidado para não jogar o bebê fora junto com a água suja do banho. Ou seja, não podemos matar – uma vez mais – a chance de construir instituições mais sólidas, em nome de um resgate do passado, quase sempre idealizado pelos reacionários.

Em sua coluna de hoje, Carlos Alberto Sardenberg fala disso, mostrando alguns dados do regime militar que muitos saudosistas preferem ignorar. Sardenberg, que não é um típico jornalista comunista, reconhece que a esquerda radical, daquela época e de hoje, não queria e não quer saber de democracia, mas lamenta que a reação de uma ala razoável da direita seja o desejo pela ditadura:

Pensava que a ideia de ditadura militar estava sepultada na nossa história, sendo defendida, talvez, por pequenos grupos desavisados. Parece que é mais gente do que isso.

[…] Os que defendem a ditadura militar recorrem a quatro argumentos. O primeiro sustenta que o regime dos anos 60 e 70 foi muito eficiente na promoção do desenvolvimento econômico. O exemplo é o período de 1968 a 73, quando o país cresceu a mais de 10% ao ano.

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Verdade que cresceu, mas esse foi um momento de prosperidade mundial. Havia crescimento em boa parte do mundo e liquidez abundante, capitais externos para investimentos e empréstimos a juros baixos. O regime militar pegou essa onda. E pegou mal, porque quando a situação externa piorou, com a crise do petróleo e dos juros internacionais, o país estava despreparado. Caiu na inflação, na recessão e na moratória de uma dívida externa insustentável.

A queda foi pesada. Quando os militares se retiraram, em 1985, o Brasil estava assim: inflação de quase 200%; dívida pública equivalente a 30% do PIB, vindo de apenas 5% no início dos anos 70; dívida externa 20 vezes maior que a de 1970.

Além disso, muitas obras faraônicas deixadas pelo caminho, como a Transamazônica e a Ferrovia do Aço (“loucura de botar sujeito na cadeia”, segundo comentário de Eugênio Gudin), estatais endividadas. Eficiência?

Sardenberg segue refutando os demais pontos, como a noção de que não havia corrupção naquele tempo (talvez não no patamar petista, claro, mas havia), a ideia de que os militares colocavam “ordem na casa”, ignorando que o preço era a censura à imprensa e a restrição ao funcionamento do Congresso e do Judiciário, e o argumento de que é melhor uma ditadura militar do que uma comunista, o que certamente é verdade, mas deixa de fora a alternativa: fortalecer a democracia e preservar a liberdade. Ele conclui:

Parecia que a lição estava aprendida. E aí aparecem, de um lado, os defensores do regime militar, dizendo que nossa democracia é fraca para conter as esquerdas e os corruptos. No outro, as esquerdas, dizendo que a democracia é ilegítima, que é contra os pobres e pune Lula e seu pessoal não porque são corruptos, mas porque são do povo.

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É de se lamentar. Dos dois lados, um desprezo pela democracia, pelo Judiciário, pela imprensa livre. Por isso é preciso repetir: Abaixo a ditadura, pô! Mas acrescentando o que os jovens daquele momento não escreveram: E viva a democracia.

Entendo a indignação, o cansaço e a desesperança de milhões de brasileiros, que olham para nosso sistema apodrecido, para nosso Congresso corrupto, para nossa imprensa vermelha, e acham que a única saída é mesmo uma intervenção militar (seguida de uma ditadura, pois parece ingenuidade acreditar, uma vez mais, que os militares resolverão os problemas em poucos meses e entregarão o poder de forma voluntária em seguida). Mas não concordo.

Não sou daqueles que idealizam o modelo democrático, bastante imperfeito. Não acho que a democracia é um Deus que falhou, pois nunca a endeusei. Mas sou daqueles, como os liberais Mises e Popper, que entendem as vantagens desse modelo, a principal sendo a possibilidade de troca de comando no poder sem violência, sem “rios de sangue”.

Roberto Campos resumiu aquele clima de então: “É sumamente melancólico – porém não irrealista – admitir-se que no albor dos anos 60 este grande país não tinha senão duas miseráveis opções: ‘anos de chumbo’ ou ‘rios de sangue’…” Será que já estamos em situação parecida? Espero que não! Torço bastante para que seja possível reverter o quadro sem abrir mão da democracia, da imprensa “livre”, ainda que dominada por esquerdistas.

Sei que a própria esquerda não ajuda, que os jornalistas jogam lenha na fogueira, com suas inverdades, distorções, “Fake News”, que colunas canalhas como essa de Verissimo hoje, um defensor de socialistas fingindo-se horrorizado com Bolsonaro e o “estado assassino” dos tempos do regime militar, em nada ajudam. Sei que pesquisas como essa, que mostram que dois terços dos entrevistados acham que direitos humanos defendem mais os bandidos, criam o clima propício para se abandonar qualquer tentativa de mudança dentro do sistema.

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Mas a resposta adequada não é fazer o mesmo do lado de cá, e sim mostrar que somos melhores, que defendemos princípios e a liberdade, e que não deixaremos um país melhor para nossos filhos ou netos colocando os militares para tomar conta de tudo, abolindo o próprio processo dinâmico – e imperfeito, corrupto – da democracia.

Precisamos de uma onda liberal ou conservadora, mas dentro das regras do jogo, justamente para resguardar nossas liberdades, não para substitui-las por uma ordem imposta de cima para baixo. Será que ainda dá tempo? Ou será que vamos repetir o ciclo eterno da região, caindo na armadilha de autoritarismo de esquerda seguido de autoritarismo de “direita”?

PS: Que fique claro uma coisa: NÃO estou dizendo que uma eleição de Bolsonaro significa essa escolha pela volta do regime militar, pois o deputado está jogando dentro do jogo democrático, e não pregando o retorno da ditadura. Falo de quem está defendendo que os militares tomem o poder na marra mesmo, suspendendo as atividades parlamentares para “fazer a limpa” em nossa democracia.

Rodrigo Constantino