Por Percival Puggina
Quem conversar com um defensor do regime cubano sobre as origens da anacrônica revolução, certamente ouvirá afirmações que se fundamentam na resistência à tirania. Não se surpreenda: ele estará se referindo à ditadura de Fulgencio Batista. De fato, os comunistas não veem tirania no governo da ilha ao longo destes quase 60 anos. Argumentam que o governo se afirmou pela luta contra Batista e contra os ianques, e que a população legitima o regime agitando bandeirinha nas ruas em festas da Revolução ou homologando os atos do governo em aquiescente silêncio. O tal “compañero” jamais mencionará três tópicos essenciais à compreensão da natureza antiética da realidade política em Cuba.
O primeiro ponto obscurecido é o fator geográfico. Num ambiente insular, o totalitarismo potencializa seus malefícios, notadamente quando a institucionalidade jurídica é tão primitiva que as penas, nos crimes políticos, se estendem aos familiares dos réus. Sob governo totalitário, uma ilha pode ser compreendida como cadeia a céu aberto, de onde só se sai enfrentando o mar. Ademais, toda resistência resulta “sutilmente” contida (os bolcheviques ensinaram isso) quando a brutalidade do regime se aplica sobre as famílias dos dissidentes, por meios oficiais e não oficiais (brigadas populares de resposta rápida, por exemplo).
O segundo ponto corresponde às efetivas circunstâncias históricas. O governo deposto pela Revolução Cubana era autoritário e contava sete anos quando derrubado. Pode-se cometer o erro de louvar o advento de um mal (uma ditadura com Fidel) sob a justificativa da eliminação de outro mal (a ditadura com Batista). Esse engano pode ter sido aceitável durante alguns meses. Cinquenta e nove anos depois, porém, a validade venceu e a desculpa se esfarrapou. Comparado com Fidel e seu mano Raúl, Fulgencio Batista deveria ser chamado Batista, o Breve.
O terceiro diz respeito à incorreta compreensão sobre o nosso ponto central aqui: o direito de resistência à tirania. Ele está reconhecido na sã filosofia, entre outros, por Aristotóteles, Tomás de Aquino e Francisco de Vitória. Em determinadas condições, pode ser usado de modo moralmente licíto contra leis injustas e contra poder opressor assumido sem legitimidade popular e legal.
Examinemos, então, o caso cubano após 1959. No momento da vitória havia apenas um comunista conhecido entre as lideranças dos barbudos que entraram em Havana: Che Guevara. Os principais líderes eram, pela ordem: Fidel, Raúl, Huber Matos, Camilo Cienfuegos e Che. Esse terceiro homem, Huber Matos, conta no livro “Como llegó la noche” que sua posição no ranking lhe fora posta pelo próprio Fidel: “Primero estoy yo, luego está Raúl y despúes vienes tu”. Fidel o designou para comandar o Exército em Camaguey, de onde, em outubro de 1959, Huber Matos enviou uma carta ao chefe discordando dos rumos que dava ao novo governo. Foi julgado por um tribunal pessoalmente dirigido por Fidel e condenado a 20 anos de prisão, que cumpriu na íntegra. Só saiu em 1979! Camilo Cienfuegos presenciou o julgamento de Huber Matos, entrou em uma aeronave militar e nunca mais se teve notícias dele. Che, pouco depois, renunciaria a seu status na Revolução e sairia a lutar mundo afora até virar San Guevara de la Higuera (!) na selva boliviana.
Fidel e Raúl tinham um projeto de poder pessoal e o estão realizando plenamente, graças ao regime comunista que faculta esse exercício de modo absoluto (não por acaso Cuba e Coréia do Norte se tornaram monarquias comunistas com sucessão por consanguinidade). E a resistência à tirania é o mais funesto dos sonhos cubanos.
Nota do autor: Estou ultimando uma segunda edição ampliada e atualizada de “Cuba, a tragédia da utopia”. Ela estará disponível nos próximos meses.
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