Morando há 6 meses na civilizada Weston, na Flórida, após viver por mais de 38 anos no Rio de Janeiro, posso afirmar com convicção que nosso maior problema é o total descaso pelas regras. Os cariocas simplesmente ignoram as leis e as normas de civilidade. Há “malandro” demais para “otário” de menos, e se você tenta agir como um típico anglo-saxão ou suíço, você é visto como uma aberração, um “careta” chato e sem noção.
Esse foi o tema da coluna de hoje de Ferreira Gullar na Folha, na qual chega à mesma conclusão. E são nas pequenas coisas que podemos notar esse tipo de comportamento, coisas como o desrespeito à lei do silêncio que pretende impor algo que deveria ser natural: o respeito ao próximo.
Em Weston, numa pequena reunião de amigos em que o som passou um pouco do volume desejável e os decibéis das conversas, regadas à cerveja, também, o xerife logo apareceu para alertar que, da próxima vez, haveria uma multa de mil dólares. Resultado: silêncio para o vizinho dormir em paz. Talvez haja certo exagero por lá, mas aqui no Rio é o extremo oposto: ninguém liga para o próximo ou para a lei, e a punição não ocorre. Diz Gullar:
Viver no Rio de Janeiro não está fácil. Sei de várias pessoas que, embora adorando a cidade, resolveram ir embora. As razões são muitas, desde a insegurança, que cada vez mais atemoriza as pessoas, até o caos urbano, que vai se impondo em quase todos os bairros.
As causas dessa situação certamente são várias, mas, dentre elas, a que nos parece ser a principal é o total desrespeito às normas do convívio social e que se manifesta a todo momento e em todos os lugares. A permissividade se instalou no comportamento de considerável parte da população carioca, a tal ponto que, se alguém se atreve a reclamar, estará sujeito a represálias. Quem se comporta conforme as normas sociais é considerado “careta”.
[…]
É que a polícia vem, obriga o cara a abaixar o som, mas, assim que vai embora, ele o põe mais alto ainda para se vingar do chato que, veja você, deseja dormir!
É que a chamada lei do silêncio não serve para nada. As próprias autoridades admitem que é quase impossível aplicá-la. A lei que serve para deter esses abusos é a que pune os atentados ao sossego público, porque é disso que se trata. A indiferença das autoridades a esses abusos chega, no Rio, às raias do absurdo. Se vier à nossa cidade maravilhosa tenha cuidado ao atravessar uma rua, porque aqui frequentemente alguém é atropelado por uma bicicleta, um triciclo ou motocicleta, pois andam todos na contramão e em alta velocidade. Para eles também não há sinal fechado, já que desobedecê-lo, no Rio, não é exceção, é a regra. E as motocicletas, que andam com o cano de descarga destampado apenas para fazer barulho e atordoar as pessoas?
A verdade é que o Rio, hoje, é uma cidade sem lei.
Mas ai de quem reclamar disso! O provincianismo carioca impede qualquer reflexão sincera, e se a crítica vem de fora, é de invejoso que não tem as praias cariocas, e se vem de dentro, é de um traidor “careta”. Tentar levar o Rio rumo à civilização é uma tarefa árdua. Explicar que o respeito às regras e ao próximo é um conceito fundamental para a qualidade de vida é complicado. O carioca se acha “esperto” mesmo, e dá sempre um “jeitinho” para se virar e garantir a impunidade.
Rousseau ficaria encantado, de longe, com o ambiente carioca, típico dos “bons selvagens” que levam uma vida mais descolada, sem muitos compromissos e na malandragem. O resultado prático é uma cidade sem lei, imersa no caos urbano, dominada pelo crime e ocupada pelas favelas. É muita malandragem mesmo!
PS: Toda generalização é injusta com os indivíduos que compõem a exceção. Hoje mesmo peguei um taxista revoltado com tudo de absurdo na “cidade maravilhosa”, reclamando dos serviços públicos que não funcionam, dos pesados impostos, do caos, e dizendo que gostaria de viver nos Estados Unidos. Há muito trabalhador sério no Rio, mas eles precisam viver num ambiente dominado, infelizmente, pela malandragem alheia.
Rodrigo Constantino
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