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Russell Kirk sobre os libertários dogmáticos

Como muitos já sabem, tenho feito algum esforço, dentro de minhas limitações, para unir o que se chama “direita” nesse país. Evitar o “fogo amigo” seria, portanto, uma boa estratégia.

Mas, em nome do debate aberto de ideias, considero importante trazer à tona as críticas que o conservador (de boa estirpe) Russell Kirk faz aos libertários, ou a um tipo específico de libertário: o dogmático. Creio que esse não é muito “amigo” dos liberais ou conservadores.

Em seu livro A política da prudência *, Kirk dedica um capítulo a esses libertários, e outro aos neoconservadores, para contestar ambas as posturas ideológicas. Kirk, diga-se de passagem, é contra a própria ideologia, para ele uma religião secular perigosa.

Confesso que já vi muitos libertários desse tipo descrito por ele, e seu fanatismo realmente não combina com o liberalismo que defendo. Em várias ocasiões já tive a sensação de que eram mais parecidos com os marxistas do que com os liberais clássicos. Abaixo, seguem alguns trechos do livro:

Qualquer um que tenha sido muito influenciado pelo pensamento de Edmund Burke (1729-1797) e de Alexis de Tocqueville (1805-1859) – como o professor Hayek e este comentarista – põe-se firmemente contra a ideologia; e o libertarianismo é uma ideologia simplista, apreciada por um tipo de gente a quem Jacob Burckhardt (1818-1897) chamou de “os terríveis simplificadores”.

[…] enquanto os libertários se posicionarem contra uma política de dominação norte-americana ao redor do globo, estou ao lado deles.

Numa época em que muita gente está disposta a – ou melhor, desejosa de – trocar a própria independência por “direitos”, os libertários exortam-nos a andar virilmente com os próprios pés.

[…] o que podemos dizer do libertarianismo, amistosamente, é que tem sido amiúde um espaço de recrutamento de jovens conservadores, ainda que os libertários não tenham a menor intenção de fortalecer a crença nos costumes, na convenção e na política da “consagração do uso”.

O que podemos afirmar é que, em geral, são anarquistas “filosóficos” em trajes burgueses. Das antigas instituições sociais, manteriam somente a propriedade privada. Buscam uma liberdade abstrata, que nunca existiu em civilização alguma – nem entre qualquer povo bárbaro ou selvagem. Dariam cabo do governo político; nisso, subscrevem a noção de Karl Marx (1818-1883) da extinção do Estado.

Precisamos limitar os poderes do Estado, é claro, e a constituição nacional o faz – se não perfeitamente, ao menos de modo mais eficaz do que qualquer outra constituição nacional. A Constituição dos Estados Unidos decididamente não é um ensaio de libertarianismo.

“Partindo da liberdade ilimitada”, escreveu Fiódor Dostoiévski (1821-1881), “chego ao despotismo ilimitado”.

Os libertários do século XX são discípulos da noção de natureza humana e das doutrinas políticas rousseaunianas.

O típico libertino de 1992 (ano da publicação do livro) deleita-se com a excentricidade – tanto na vida privada como na política. Sua liberdade, ou licenciosidade, é do tipo que resulta no colapso social.

No tocante à excentricidade libertária, o sonho de uma liberdade privada absoluta é uma daquelas visões que amanham dos portões de marfim; e a desordem na qual a sociedade seria lançada em conseqüência dos desejos já é ilustrada pela desordem moral dos assuntos privados.

O modelo de libertário da presente década não tem senso de humor, é intolerante, farisaico, mal instruído e enfadonho. […] estou desmascarando as pretensões dos doutrinários intolerantes e libertinos pomposos que se aprisionaram numa ideologia “libertária” tão confinadora e irreal quanto o marxismo – ainda que menos persuasiva do que esta cruel ilusão. 

A liberdade e a justiça só podem ser estabelecidas depois que a ordem esteja razoavelmente assegurada. Os libertários, porém, dão primazia a uma liberdade abstrata.

Ao exaltar uma “liberdade” absoluta e indefinível à custa da ordem, os libertários colocam em perigo a própria liberdade que louvam.

Em suma, a função primária do governo é a restrição; e isso é anátema para os libertários, embora seja um artigo de fé para os conservadores. 

Por tais defeitos dos libertários estarem muito evidentes, os conservadores recordam a admoestação de Edmund Burke a respeito dos reformistas radicais: “Homens imoderados nunca podem ser livres. As paixões lhes forjam os grilhões”.

O que os libertários doutrinários nos oferecem é uma ideologia de egoísmo universal – no momento em que o país precisa, mais do que nunca, de homens e mulheres que estejam prontos a subornar os interesses privados, caso necessário, à defesa das coisas permanentes. Nós, criaturas humanas imperfeitas, já somos bastante egoístas sem precisarmos de estímulo para buscar o egoísmo como princípio.

* Haverá hoje um “rolezinho cultural” na Travessa do BarraShopping justamente para debater esse livro, e serei um dos palestrantes. Pretendo apontar as coisas que concordo, mas também levantar algumas ressalvas, pois há questões que ainda me incomodam no conservadorismo, mesmo o de boa estirpe. Eis o convite do evento:

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