Com os cada vez mais ousados ataques terroristas por parte dos radicais islâmicos aumenta a sensação de medo e insegurança e, com ela, a demanda por soluções mais extremadas. A esquerda repete que o problema é o “sistema”, culpado por tudo, e foca na desigualdade material ou nas armas, mesmo quando o ataque se dá utilizando um caminhão ou aviões. A extrema-direita prefere culpar a imigração, a democracia liberal, e clamar pelo fechamento das fronteiras.
Ambos, na opinião do professor João Carlos Espada, estão equivocados. Culpa-se tudo e todos pelo terrorismo, menos os verdadeiros culpados: os terroristas. Espada resgata ícones do liberalismo, como John Stuart Mill e Sir Karl Popper, para lembrar que a democracia liberal exige o respeito a certos valores, como a tolerância, mas que ela não deve ser ilimitada. Tolerar os intolerantes é permitir nossa destruição e, com ela, a da própria tolerância.
Ou seja, o problema não seria tanto a democracia em si, mas seu mau uso sob a ditadura do politicamente correto e do multiculturalismo. Para não “ofender” os intolerantes, que simplesmente não aceitam nossa civilização mesmo a escolhendo como abrigo, os próprios ocidentais vêm minando a democracia. E Espada cobra postura diferente não só dos ocidentais, como dos muçulmanos que rejeitam o terror em nome de sua religião.
É preciso tornar público o desprezo pela mensagem de ódio desses radicais islâmicos, que consideram legítimo eliminar, de qualquer forma, os “infiéis”. Essas mensagens de intolerância não devem ser “toleradas” em nome da tolerância (ou seria do medo e da covardia?), como tem acontecido. A democracia precisa ser defendida de seus inimigos, pois democracia não é liberar tudo, aceitar tudo, e sim tolerar quem aceita viver sob a democracia liberal. Conclui Espada:
A liberdade ocidental sempre se fundou na aceitação de modos de vida diferentes — desde que estes aceitassem as regras gerais da lei que garantem e protegem essa liberdade. Como Karl Popper costumava repetir, a tolerância não pode tolerar a intolerância, sob pena de se auto-destruir.
Por outras palavras, a democracia liberal não pode tolerar incitamentos directos à violência no seu interior. Isso mesmo foi claramente expresso por John Stuart Mill no seu célebre ensaio “Sobre a Liberdade”, de 1859. Na época, o exemplo de Mill era profundamente ingénuo, comparado com os apelos ao terrorismo de hoje. Ele simplesmente argumentou que a liberdade mais extensa, que ele defendia, não podia incluir a liberdade de gritar “Fogo” num teatro apinhado de gente (quando não havia fogo). Por maioria de razão, obviamente, a liberdade ocidental não pode tolerar apelos terroristas ao assassinato de quem quer que seja.
Devemos culpar a democracia pelo facto de estes preceitos fundamentais de Karl Popper e de Stuart Mill estarem a ser esquecidos? Isso é um pouco difícil, no plano puramente conceptual, uma vez que eles estavam a defender esses preceitos em nome da democracia e contra os seus variados inimigos, à esquerda e à direita.
Talvez os ocidentais fizessem melhor em recordar — e, se possível, estudar —a tradição ocidental em que vivem e que os protege. Talvez pudessem dessa forma chegar a um conclusão relativamente simples: a culpa do terrorismo não é nem da democracia nem da “oligarquia capitalista” ocidental; a culpa do terrorismo é dos terroristas. Por isso devemos unir-nos no combate contra eles.
Ao transferir a culpa do terrorismo para abstrações ou objetos inanimados, como o “sistema”, a “desigualdade”, as “armas” ou a “imigração”, a esquerda e parte da direita ignoram os verdadeiros culpados: os próprios terroristas. E todos aqueles que desejam viver sob uma democracia liberal, conquista das mais importantes de toda a civilização ocidental, precisam sair em sua defesa contra tais bodes expiatórios.
Ninguém joga um caminhão em cima de milhares de pessoas inocentes, inclusive crianças, porque há desigualdade e pobreza, ou porque armas são vendidas legalmente, ou porque é imigrante, mas sim porque é fanático por uma religião intransigente e não tolera a democracia liberal. Todos aqueles que desejam salvá-la têm a obrigação de sair em sua defesa, contra seus inimigos. Não podemos tolerar os intolerantes em nome do multiculturalismo.
PS: Alguns leitores podem achar que o texto é um ataque às propostas da direita de controlar melhor suas fronteiras. Não! Quis dizer que o imigrante em si não é um problema, mas sem dúvida os imigrantes intolerantes, imbuídos de uma fé fanática na submissão total, representam uma ameaça, e é direito das democracias controlar melhor seu fluxo de imigração. As democracias liberais têm o direito de controlar suas fronteiras e rejeitar imigrantes que elas percebem como uma ameaça a si próprias, por serem intolerantes ou aderirem a religiões ou ideologias que pregam a intolerância.
Rodrigo Constantino