Em artigo publicado hoje no GLOBO, Pedro Doria lamenta o fato de a esquerda estar tão perdida ou presa em discursos de meio século atrás. Com seu estilo mais moderado, ele começa falando da reviravolta da esquerda na questão judaica, citando o texto do PSOL em que Shimon Peres é acusado de “genocida”, e afirma que a esquerda está se tornando mais “reacionária”. Diz ele:
Este não é o único sinal de que a esquerda está se tornando reacionária no Brasil contemporâneo. Basta ver a obsessão com a estatização do petróleo. Vento já representa 7% de nossa matriz energética. No Reino Unido, energia solar ultrapassou a gerada por carvão. O parlamento alemão estuda banir o uso de motores a combustão de diesel ou gasolina a partir de 2030.
O petróleo está acabando, mas esqueceram de avisá-los. O Petróleo é Nosso consegue levar gente às ruas como se Getúlio ainda vagasse pelo Catete. É uma visão geopolítica que congelou nos anos 1950.
Capturada por demagogos fisiológicos, a direita nunca ofereceu uma ideia de Brasil movida a debates intensos que capturasse a imaginação de um sólido grupo de eleitores. Isso pode estar mudando, mas não dá para dizer se é apenas um soluço. Com a esquerda é diferente. Ela já ofereceu uma ideia de Brasil, já mexeu com a imaginação de muita gente. Mas o PT se perdeu na corrupção e no fisiologismo; o PSOL precisa descobrir que o século XX acabou; e a Rede, coitada. A Rede, apesar da tentativa de trazer o programa da esquerda para o hoje, cai no pior estereótipo do seu flanco político. Aquele da turma que debate, debate e não consegue decidir nada.
Até aqui, tudo bem, ou quase. Esse saudosismo de uma esquerda que já foi capaz de capturar o imaginário do povo não me atrai. Era uma imaginação totalitária, para usar expressão que dá título ao ótimo livro de Francisco Razzo. Não acho nada saudável, portanto, e não sinto saudade alguma da esquerda do passado, revolucionária, radical, sangrenta.
Mas o pior vem na conclusão: “Isto é um problema. O Brasil permanece muito cruel com quem nasce fora da elite. A função da esquerda é lembrar constantemente que o bode continua no meio da sala. Porque ele continua”. Aqui Doria aceita a premissa de que somente a esquerda se preocupa com os “excluídos”, enquanto a direita é elitista, esnobe, insensível.
Nada mais falso! Entre aqueles revolucionários socialistas poderia até existir algumas almas sensíveis, realmente preocupadas com os mais pobres, na esquerda apenas por ignorância. Mas desconfio que eram minoria. A maioria queria violência mesmo, dar vazão aos seus instintos tribais, sentir-se nobre só por falar em nome do povo, aderindo a abstratos e esquecendo o concreto, o real, o indivíduo de carne e osso.
Então quer dizer que Doria acha que é preciso a esquerda para nos lembrar de que ainda existem pobres e excluídos? Ele acha que liberais e conservadores não pensam nessa gente? O texto parece razoável, e “até” critica a esquerda atual. Mas tem uma falha grave, mortal: endossa o monopólio da virtude do esquerdismo, o que é inaceitável, mentiroso, absurdo.
Saudade da esquerda? Não, obrigado. Não tenho saudades de quem só prega em nome dos excluídos enquanto defende medidas que sempre aumentaram a pobreza na prática. Fora esquerda. Velha ou nova.
Rodrigo Constantino
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