Por João Luiz Mauad, publicado pelo Instituto Liberal
Se você quer ser um bom juiz, terá de se resignar ao fato de que você não vai gostar sempre das conclusões a que vai chegar. Se você gostar delas o tempo todo, provavelmente estará fazendo algo errado. Justice Antonin Scalia
Os ministros do Supremo Tribunal Federal alteraram nesta quarta-feira (17/02) a jurisprudência da corte e liberaram a prisão de condenados após a confirmação da sentença em segunda instância. Ao analisar um pedido de habeas corpus que questionava a expedição de um mandado de prisão pelo Tribunal de Justiça de São Paulo sem que a sentença tivesse transitado em julgado, o pleno do STF avaliou que a questão não fere o princípio constitucional da culpabilidade penal, alterando entendimento anterior da própria corte.
A decisão do STF foi comemorada na imprensa e no meio jurídico, já que esta seria a norma na maioria dos países desenvolvidos, além de ir ao encontro do entendimento do juiz Sérgio Moro, para quem o antigo processo favorecia a impunidade. Sem entrar no mérito da questão, o problema é que tal decisão está em desacordo com o estabelecido na alínea LVII do artigo 5º da Constituição, que proclama, in verbis:“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Traduzindo o jargão jurídico, a expressão “trânsito em julgado de sentença condenatória” quer dizer que não existem mais recursos possíveis.
No mesmo diapasão, poderíamos citar outra decisão controversa do STF: A legalização do casamento gay, que contraria o parágrafo terceiro do artigo 226 da CF, no qual podemos ler textualmente: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Ou seja, para o constituinte, a instituição do casamento estaria restrita à união entre homem e mulher.
Como eu disse, não é minha intenção aqui entrar no mérito daquelas decisões – com o qual tendo a concordar por princípio -, mas destacar que tais decisões extrapolaram as funções ordinárias daquele tribunal, ao invadir a seara de outro poder constituído. Em resumo, juízes são aplicadores e, quando for o caso, intérpretes da lei. Não são legisladores para decidir ao arrepio da lei.
A esse respeito, é sempre bom rememorar as lições e as lutas do recém falecido Juiz Antonin Scalia, um homem que, durante sua longa atuação na Suprema Corte americana, foi um intransigente defensor do texto constitucional, contra as interpretações descabidas e abusivas defendidas pelos adeptos de uma estrovenga teórica chamada de “Novo Constitucionalismo”. Em artigo para a Reason, o Juiz Andrew Napolitano resumiu a visão de Scalia em relação ao tema:
Na era pós Segunda Guerra Mundial, Scalia foi o defensor mais agressivo e consistente, na Suprema Corte, da primazia do texto da Constituição. Ele foi o pai moderno da ideia e, em última instância, da jurisprudência segundo a qual a interpretação da Constituição deve ser fiel ao claro significado de suas palavras. Tal teoria da interpretação constitucional envolve dois conceitos complementares: textualismo eoriginalismo.
Scalia argumentava que a Constituição significa o que ela diz. É, portanto, superior aos juristas que a interpretam. O que vale é o que está escrito, não o que alguns gostariam que lá estivesse. Com efeito, todos os juízes estão sujeitos ao seu texto. Daí o termo textualismo.
Segundo Scalia, as garantias constitucionais são reais. O exercício dos direitos ali articulados não pode ser objeto de concursos de popularidade. Por outro lado, se o texto da Constituição for eventualmente ambíguo, torna-se então dever do jurista determinar o significado original das palavras a fim de dissolver a ambiguidade. Daí o conceito de originalismo.
O contrário disso seria dar aos juízes o poder para interpretar a Constituição de maneiras novas e criativas, por vezes destrutivas, de acordo com suas próprias ideologias. Em outras palavras, adaptar o texto a seu bel prazer, para fortalecer atitudes sociais contemporâneas. Contra isso, Scalia era firme: o trabalho do juiz não é adaptar o texto da Constituição às tendências modernas ou às mudanças culturais. Esse é o trabalho do Congresso e dos legislativos Estaduais.
Para Scalia, a Suprema Corte representa a parte não democrática do governo. Seu dever é o de preservar as normas constitucionais, suas estruturas e garantias das interferências dos setores políticos do governo, mesmo quando esses setores têm franco apoio popular. Afinal, as duas principais serventias das constituições talvez sejam justamente delimitar o poder dos governos e garantir os direitos das minorias. (Eis aqui, portanto, o âmago do que se convencionou chamar de segurança jurídica.)
Os argumentos de Scalia em favor do textualismo / Originalismo, entretanto, não raro encontraram forte oposição na academia e no meio político, principalmente do lado progressista. Esta reação se uniu em torno de um conceito fluido e de amplo espectro interpretativo denominado “Constituição Viva“, segundo o qual os juízes não só podem como devem adaptar a Constituição às modernas preferências sociais e às necessidades governamentais. Para Scalia isso seria, em si mesmo, uma violação do juramento judicial de defender a Constituição como foi escrita, e não como alguns juristas desejariam que ela tivesse sido concebida.
Para Antonin Scalia, “as palavras têm uma gama limitada de significados, e nenhuma interpretação que vai além desse rol de significados é permissível.” Em outra sentença forte, ele disse: “Eu não acho que [a Constituição] seja um documento vivo, mas morto. Mais precisamente, eu acho que deve ser um documento duradouro, que não muda [ao sabor das paixões]. Eu acho que esta questão precisa ser tratada de forma ortodoxa.”
Nossos ministros do Supremo Tribunal Federal deveriam ler Antonin Scalia.