Estamos carecas de saber: qualquer defesa do conceito básico de legítima-defesa, tão comum aqui nos Estados Unidos, é sempre tratada como coisa da “bancada da bala”, nome pejorativo criado pela imprensa para designar quem apoia o direito do cidadão de ter armas. E a “bancada da bala”, naturalmente, é bancada pela maior empresa fabricante de armas no Brasil. Tudo, enfim, um puro esquema de interesses comerciais, já que nossos jornalistas não conseguem conceber alguém defender o direito às armas por princípios ou pragmatismo contra crimes.
Vejam o caso do ultraesquerdista Bernardo Mello Franco. Em sua coluna de hoje no GLOBO, ele falou sobre os “truques e mentiras” na argumentação do governo Bolsonaro para flexibilizar um pouco, por decreto, as leis sobre posse de armas no Brasil. E puxou da cartola as “suspeitas” de que tudo não passa de um agrado à “bancada da bala”, sustentada pela Taurus:
Na solenidade de ontem, o presidente fez questão de homenagear os amigos da “bancada da legítima defesa”. Referia-se aos deputados da bancada da bala, sempre às ordens da indústria armamentista. Um dos campeões do lobby é o ministro Onyx, o do liquidificador. Em 2014, ele recebeu doações eleitorais da Companhia Brasileira de Cartuchos e da Forjas Taurus. O investimento das empresas não foi em vão. O ministro apresentou ao menos três projetos de lei para facilitar a venda de armas no país.
O que o ativista de esquerda não conseguiu explicar é por que, então, as ações da Taurus despencaram no dia do anúncio do decreto, caindo mais de 20%. Talvez essa reportagem da Gazeta do Povo possa ajudar a compreender o “paradoxo”. Segue um trecho:
Com o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) facilitando a posse de armas, a Taurus deve ser, por enquanto, a empresa beneficiada com a medida. A companhia é a principal fabricante e vendedora de armas em atuação no país e, devido às legislações vigentes, tem uma espécie de “reserva de mercado”, principalmente para pistolas, que só pode ser quebrada com autorização do Exército e do governo.
A companhia só terá sua hegemonia ameaçada se Bolsonaro cumprir a sua promessa de campanha: “quebrar o monopólio da Taurus”. Durante o período pré-eleitoral, ele afirmou que modificaria a legislação vigente para abrir o mercado a empresas estrangeiras, tanto para a venda para o setor público quanto para o varejo (consumidor final).
“Se eu estiver no poder não vai ter monopólio (…) Quero que venda arma da Taurus, mas não com monopólio”, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico em junho. Porém, depois de eleito, Bolsonaro ainda não retornou ao assunto.
Oficialmente, a Taurus não tem monopólio. Mas a companhia privada conseguiu o domínio do mercado brasileiro graças às legislações vigentes que permitem uma espécie de “reserva de mercado” às fabricantes nacionais de armamento e munições.
Segundo o artigo 190 do Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados pelo Exército (R-105), o “produto controlado que estiver sendo fabricado no país, por indústria considerada de valor estratégico pelo Exército, terá sua importação negada ou restringida, podendo, entretanto, autorizações especiais ser concedidas, após ser julgada a sua conveniência”. Entre os produtos controlados pelo Exército estão armas e munições.”
Há, porém, um movimento de companhias estrangeiras para entrar no Brasil, principalmente para vender pistolas. O processo, contudo, é burocrático e precisa da autorização do Exército e do governo. Ou seja, não é um mercado livre. As empresas estrangeiras que querem entrar no país são a Caracal, dos Emirados Árabes, a CZ, da República Tcheca e a Glock, da Áustria.
Apesar de a empresa ter um horizonte positivo graças ao decreto, as ações da Taurus sofreram uma queda aguda após o anúncio de Bolsonaro. Entre as 12h50 e as 13h41 desta terça (15), os papéis da empresa tiveram uma queda de 25,8%, chegando ao mínimo de R$ 6,80. Fecharam o pregão a R$ 7,40, uma retração de 16,85% em relação ao pregão anterior. Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o movimento é normal, de realização de lucros: nos últimos meses, os papéis quase quaduplicaram de valor.
Sim, o decreto de ontem não facilitou ainda a vida dos importadores, e a acentuada queda pode ter sido apenas realização de lucros dos investidores. Mas pode também significar que o decreto foi apenas um primeiro passo, e que o governo vai, agora, apostar nas mudanças legislativas, como o próprio Onyx Lorenzoni prometeu. Se Bolsonaro seguir firme com sua promessa de campanha, a abertura do setor não será vantajosa para a Taurus, que terá de competir com Glock e outras marcas.
A “bancada da bala” vai ter coragem de mexer nisso? Se tiver, e espero que tenha, estará comprovada a falácia de que seguem apenas ordens das fabricantes nacionais de armas e munições.
Rodrigo Constantino