Por Og Leme, publicado pelo Instituto Liberal
É comum, no final das minhas palestras sobre liberalismo e as virtudes da ordem liberal, que alguém me pergunte: – “Muito bem, então, por que a ordem liberal do século XIX, que perdurou até a I Guerra Mundial, foi progressivamente substituída, em graus diferentes e em praticamente todos os países, por diferentes tipos de estatismo? Se o liberalismo era tão bom, como se explica sua substituição pelo Estado-leviatã?” Foram vários os motivos, conforme passo a relatar.
O primeiro deles ocorreu – e ainda persiste em boa dose – no campo das ideias, conforme observação pertinente de Hayek, e se refere à prática de um racionalismo exacerbado. De acordo com ela, o que não pode ser explicado racionalmente ou não decorre da ação inteligente propositada do homem não merece crédito. Como a ordem liberal se fundamenta em considerável medida em instituições e práticas sociais espontâneas originárias da ação humana não deliberada – como são a linguagem, o dinheiro, o mercado, o direito consuetudinário, os usos, costumes e tradições -, ela passou a ser questionada e substituída por equivalentes sucedâneos sintéticos, forjados propositadamente nas pranchetas dos engenheiros sociais. O Esperanto foi proposto como idioma universal, e os nossos imortais da Academia Brasileira de Letras não se cansam de propor regras gramaticais que engessem definitivamente o nosso belo e mutante idioma. São ridículos os acordos Brasil-Portugal sobre normatização e controle da nossa escrita e da nossa fala, cada vez menos dispostas aceitar as ideias com que são ameaçadas por esses puristas ingênuos.
A economia de mercado tem sofrido mais, muitíssimo mais, do que a linguagem espontânea que falamos e modificamos no nosso cotidiano. Durante o século XX, várias formas e graus de planejamento econômico tentaram ocupar o lugar até então exercido por agentes individuais livres, motivados por interesses pessoais e guiados pelos preços relativos dos bens e serviço. E o mais espantoso é que isso tenha ocorrido mesmo após Mises e Hayek terem demonstrado, nos anos 20, a impossibilidade do cálculo econômico numa economia centralmente planejada. Em outras palavras, os dois grandes economistas austríacos previram o fracasso inevitável de economias conduzidas por autoridades estatais carentes de preços de mercado para guiá-las. Acertaram em todos os casos onde esse tipo de intervenção econômica governamental teve lugar.
O liberalismo floresceu muio mais nos países onde prevalecia o direito consuetudinário do que em países ligados ao positivismo jurídico, como ocorre com o Brasil. O direito espontâneo consuetudinário é gestado, na realidade, pela livre interação dos membros de uma sociedade, através do tempo; ele emerge dos usos, costumes e tradições, e é descoberto – e não criado – pelos juízes e legisladores que o transformam em lei e o sistematizam. Contrariamente, o direito positivo acabou se convertendo na prática viciosa de considerar lei aquilo que as assembleias legislativas produzem é sancionada pelo presidente do país. Os leitores interessados no assunto podem ler o excelente livro de Bruno Leoni – jurista italiano já falecido – Law and Freedom – edição do Liberty Fund, Indianápolis, USA.
O destino do dinheiro não foi mais feliz. Ele foi criado para diminuir aquilo que os economistas chamam de custos de transação. Ele serve de meio de troca, unidade de conta e de meio de entesouramento. Sua vigência depende sobretudo de crédito, isto é, ele vige enquanto os usuários acreditarem nele, de forma que ele é aceito corriqueiramente nas transações diárias no mercado. O dinheiro pode ter credibilidade sem ter sido criado pelo governo; a história se encarrega de mostrar a viabilidade do dinheiro “privado”. Por outro lado, o fato de ser fruto do monopólio estatal não assegura a sua credibilidade. Existe hoje um número crescente de economistas liberais simpatizantes da privatização do dinheiro. Os leitores interessados no problema podem ler o livro de Hayek, A Privatização do Dinheiro, editado pelo Instituto Liberal do Rio de Janeiro. Em síntese, a crítica liberal indaga: “por que manter monopólio estatal do suprimento de dinheiro?”
Procurei dar aos leitores alguns exemplos de perversão no uso do racionalismo. Pretendo, no próximo artigo, mostrar-lhes a malignidade de outro tipo de deformação intelectual prevalecente no século XX, o holismo-animista, complemento do racionalismo exacerbado, formando com ele uma dupla letal.
Nota: Artigo retirado do livro de crônicas Og Leme, um liberal, editado pelo Instituto Liberal em 2011.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS