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Se vale tudo para vencer, qual a diferença entre a esquerda e a direita?

Lá vou eu para mais um daqueles textos que recebem poucos “likes” e muitos ataques. Entendo o clima pré-eleitoral, em que a narrativa mais à direita vende a ideia de que existe um só nome como salvador da Pátria, contra todas as alternativas que representam naturalmente o destino venezuelano. Não há mais gradações, tons de cinza (ou vermelho, que seja). Há apenas a luz ou as trevas. E quem não enxergou a luz só pode estar a mando do Capeta, claro…

Nesse ambiente tóxico, qualquer crítica a Donald Trump, que até aqui tenho elogiado mais do que criticado, torna-se automaticamente prova de que virei um Caio Blinder, um Guga Chacra, um democrata. Ou seja, vale apenas o pensamento binário: Trump tem que ser ídolo, reverenciado, precisa pairar acima de qualquer suspeita. Só há um problema: essa postura de bajular políticos não combina nada com o liberalismo, sempre cético em relação ao poder.

A turma dos “Never Trumpers” errou feio em minha opinião, ao não perceber as qualidades do estilo do presidente na era moderna. É bufão, arrogante, tem um viés nacionalista e protecionista, adota um tom desrespeitoso muitas vezes? Tudo isso é verdade, mas talvez fosse preciso um cara assim para vencer a esquerda, o establishment, e efetivamente fazer alguma coisa. Como dizia Dennis Prager, Trump não era candidato a guia moral, mas a estadista.

O que não quer dizer, óbvio, que não mereça críticas, ainda mais quando seu estilo parece realmente dominar o Partido Republicano e ameaçar certas bandeiras enraizadas nele. “Um partido que antes falava com urgência e aparente convicção sobre a importância de uma liderança ética – fidelidade, honestidade, honra, decência, boas maneiras, servir de exemplo – se submeteu ao indivíduo mais irremediável e completamente corrupto que já assumiu o cargo de presidente”, constatou Peter Wehner, membro do Centro de Ética e Políticas Públicas, que fez parte dos três últimos governos republicanos, no The New York Times.

Exagero? Provavelmente. Mas não devemos negar, a priori, o risco que esse estilo de Trump representa ao partido. Quem aponta para isso faz tempo é Ben Shapiro, que considero um excelente analista conservador e independente. Seus podcasts diários são imperdíveis. Shapiro, porém, vira “inimigo”, pois mantém essa postura independente e critica quando acha que deve criticar. Isso não é mais aceito pela “tribo” da direita.

Quando chegamos no Brasil a coisa piora. Em ano eleitoral, muitos não aceitam qualquer crítica, ainda que construtiva, a Bolsonaro, ao mesmo tempo em que detonam qualquer coisa que sentem como ameaça. O marqueteiro do tucano Alckmin errou e colocou uma bandeira com o número do PCC na peça publicitária? Isso logo vira teoria da conspiração, como se Alckmin estivesse ligado ao grupo criminoso. Faz sentido?

O que fizeram com João Amoedo, do Partido Novo, é ainda pior. Num contorcionismo espantoso, repleto de meias verdades e grandes mentiras, circula um vídeo que coloca o rico empresário do setor financeiro como uma marionete de George Soros, um representante da “agenda da ONU”, um “progressista” infiltrado. É coisa quase no nível de loucura do Cabo Daciolo com os Illuminati. Mas vários repetem nas redes sociais que Amoedo é o “cavalo de Tróia” implantado pelo ícone da esquerda caviar.

Essa paranoia, esse clima de teses conspiratórias, esse ambiente de perseguição e intimidação, tudo isso tem sido justificado como uma espécie de vale tudo para a vitória nas urnas. Mas se vale tudo para vencer mesmo, então devemos nos perguntar: o que diferencia a direita da esquerda? Lutamos tanto para impedir o projeto totalitário do PT para cair nas garras de petistas com sinal trocado? Se antes do poder essa gente age dessa forma desonesta, o que farão com o poder nas mãos?

São perguntas que precisam ser feitas por todos aqueles que têm um projeto de nação a longo prazo. Não estou nessa luta liberal há tanto tempo para me transformar, agora, num mero puxa-saco de político, adotando as mesmas estratégias de quem combati por esse tempo todo.

Insinuar que Alckmin tem pacto com o PCC com base num evidente erro de campanha ou que Amoedo é o garoto do Soros com base em alucinações não é coisa de gente séria. Mas isso tem saído de dentro do PSL, de Jair Bolsonaro, sob o silêncio do candidato. É, no mínimo, preocupante. E cobrar explicações não é coisa de “traidor” que virou “comunista”, e sim a única postura aceitável de quem mantém sua independência.

Rodrigo Constantino

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