Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Assisti a uma das últimas análises do jornalista William Waack em seu canal no Youtube, apreciando a preocupante situação política argentina, em que o populista de esquerda Alberto Fernández, fantoche de Cristina Kirchner, está em vantagem para vencer as eleições contra o decepcionante e pusilânime Maurício Macri. O jornalista, muito lúcido, fez observações pertinentes, mas me decidi permitir um ligeiro contraponto.
Em um cenário em que o candidato favorito da Argentina ofende o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, taxando-o de racista, misógino e violento, e Bolsonaro expõe sem prevenções sua torcida pela vitória de Macri e sua hostilidade ao kirchnerismo, Waack argumenta que, por imposições econômicas e geográficas, o Brasil e a Argentina precisam manter relações muito próximas. Apesar de o debate político-ideológico ser natural e fazer parte da vida democrática, diz Waack, os governos dos dois países terão que se entender sobre pautas fundamentais, independentemente de suas cores ideológicas, por mera imposição dos fatos.
Concordo com Waack, é claro. O governo Bolsonaro também não me parece discordar totalmente; afinal, a despeito de todas as críticas que faz e fez, o presidente nunca teve um relacionamento hostil, por exemplo, com o presidente da Bolívia, Evo Morales, que veio à sua posse em janeiro – e todos sabemos a que trupe pertence. Ao insultar Bolsonaro da forma mais estridente, Fernández teve um raro lapso de lucidez e disse que suas profundas incompatibilidades com o presidente brasileiro jamais significarão hostilidade ao Brasil, que sempre será um parceiro fundamental.
Muito que bem. Meu incômodo é o seguinte: ao comentar as diferenças entre Bolsonaro e Fernández, Waack falou em diferenças ideológicas, em debate político-ideológico. Sabemos que ele não está sozinho nesse gênero de abordagem vocabular. Pergunto-me: será que estamos dando conta do que realmente é o socialismo bolivariano (e aqui usarei a expressão como sinônimo de todo o “socialismo do século XXI”, de toda a extrema esquerda latino-americana, não apenas a venezuelana), será que realmente entendemos o que essa turma do Foro de São Paulo e seus aliados significa, quando tratamos diferenças para com eles meramente como diferenças ideológicas?
Quando Bolsonaro diz que o kirchnerismo, aliado ao bolivarianismo e parte do mesmo fenômeno continental, é uma ameaça aos argentinos, fará muito diferente de alguém que, diante de um perigo totalitário, sobretudo em um país próximo, do mesmo continente, o aponta, sensibilizado pelos riscos oferecidos a todos os vizinhos? Será que feriria os princípios pragmáticos das relações diplomáticas algum chefe de Estado que demonstrasse preocupações com a ascensão de um nazista ou de um líder do PCC ao poder no país vizinho, o que obviamente pode oferecer dificuldades nas fronteiras?
Convenhamos, se realmente entendemos o que está estampado diante de nós desde 1990, não é muito diferente com os partidos aliados ao Foro de São Paulo. Fernández veio ao Brasil para paparicar Lula. Ele acusa o Estado brasileiro de arbítrio ao prender um criminoso da pior espécie. Lança descrédito sobre a nossa lei, sobre os fundamentos da nossa Justiça. Se dependesse do favorito à presidência da Argentina, o Brasil libertaria um criminoso.
Pudera; afinal, sua aliada e líder, Kirchner, não tem também a ficha tão limpa. Estamos falando de pessoas que cortejam grupos terroristas, tentam impedir a liberdade de imprensa, praticam corrupção, são acusadas de obstruir investigações e amam bandidos. Estamos falando de pessoas que, quando surge um promotor disposto a denunciá-las, ele aparece misteriosamente morto com um tiro na cabeça na véspera.
Não, meus caros. Não estamos falando de diferença de ideias. Estamos falando de levar criminosos tirânicos ao poder. É uma conversa muito diferente. Se não entendermos isso e falarmos da questão como se as diferenças entre um de nós e uma Kirchner ou um Lula fossem diferenças menores sobre as quais podemos trocar argumentos civilizados em uma mesa de bar, significa que não entendemos nada do que está acontecendo.