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Sergio Moro no Roda Viva: o STF no banco dos réus – segunda parte
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Por Pedro Henrique Alves, publicado pelo Instituto Liberal

Para ler a primeira parte do texto clique aqui.

Um caminho sem volta, uma porta escancarada para a impunidade:

Como se torna evidente, uma vez tomada essa decisão não haveria mais um freio institucional frente à debandada de tais tipos de criminosos políticos. No início do programa, já havia explicado o magistrado que há processos que duram a vida inteira de um réu e que prescrevem antes de serem julgados em última instância. A sequela de uma revogação da prisão em segunda instância seria uma impunidade assistida pela Suprema Corte nacional, um desastre sem precedentes para o judiciário brasileiro. Em suma, o juiz mostrou que, não somente é irracional tal mudança na jurisprudência, como é pragmaticamente inviável de ser posto em prática com o mínimo de competência frente às demandas jurídicas que decorrem da criminalidade dantesca que aqui nutrimos. Para o juiz, revisar esse precedente é o mesmo que dizer: “vamos parar de avançar no combate a corrupção, recuem”.

Um judiciário de Atlas:

Dados de 2017 apontam que havia aproximadamente 87 milhões de processos em trâmite em todo judiciário nacional, e a expectativa é que esse número alcance os 100 milhões em 2020. Os processos em trâmite no STF somam 43.723, sendo que somente em 2017 foram protocolados 16.202. Para termos uma ideia da aporia, através de um comparativo real, ano passado foram decididos 123.008 casos (decisões monocráticas e colegiadas) na Suprema Corte brasileira, e para julgar ainda existem por volta de 135.000 processos; ao passo que na Suprema Corte americana foram findados, em 2017, aproximadamente 100 casos.

Em habeas-corpus, por exemplo, a Suprema Corte nacional empossa (entre os julgados e não julgados) 154.000 desses casos. Não é minimamente aceitável e viável deixar ao encargo da última instância a prisão de réus condenados pelos mais variados crimes em instâncias menores. Justo no país onde é de conhecimento universal que uma das primeiras aporias jurídicas a ser resolvida é a famigerada impunidade; abrir um precedente jurídico que acabará por deixar a decisão de prisão majoritariamente nas mãos de uma Suprema Corte, corte essa que “carrega o mundo nas costas” (135.000 processos a serem julgados), é o mesmo que pedir para que a impunidade se instale como majestade. Tal decisão não seria somente absurda como verdadeiramente burra.

Mais alguns momentos importantes da entrevista:

Outros momentos se fizeram memoráveis na “sabatina” do magistrado: o recado direto à Rosa Weber para que pense e reflita de maneira macro e a longo prazo sobre sua decisão a respeito do HC preventivo de Lula, tudo isso feito de maneira polida e discreta, obviamente. Os elogios constantes e a reafirmação veemente da sua confiança na Suprema Corte, dizendo enfaticamente que acredita que ali existem ótimos ministros; todavia, sempre reafirmando junto a sua crença de que o tribunal irá rever e repensar suas posições atuais sobre a prisão em segunda instância. Não obstante a declaração de confiança na Suprema Corte, diz o magistrado que: se em último caso tal decisão de revogação de prisão em segunda instância siga em frente e seja posta como a nova jurisprudência, deve o povo buscar um candidato, talvez presidencial, a fim de criar uma emenda constitucional como dispositivo resoluto para assegurar a legalidade da prisão em segunda instância. O que mostra, sem medo de má interpretação, que o juiz se encontra extremamente incomodado com tal situação, e que essa é uma pauta que ele considera urgente.

Ele também elogiou as manifestações de 2016, afirmando que o povo na rua é sinal de uma democracia que busca regenerar-se e transpor o chorume da corrupção. Por fim, enfatizou que o povo deve buscar um candidato lúcido e com propostas adequadas ao atual momento do Brasil. Afirmou com veemência que o cidadão deve se abster do culto às personalidades, dos “salvadores da pátria” e dos extremistas. Obviamente que podemos enxergar nessa declaração uma clara referência ao Bolsonaro, Lula e Ciro Gomes, pelo menos são esses que despontam frente aos olhares mais analíticos como mais “extremistas” e detentores da chancela de possíveis “salvadores da pátria”. Obviamente que não citou tais nomes!

Conclusão:

Em resumo, Sérgio Moro se saiu muito melhor do que o esperado, conseguiu unir prudência e crítica frontal ao ativismo no judiciário; teve prumo ao tratar de assuntos mais espinhosos como o auxílio moradia para juízes e a atual relação conturbada entre a Polícia Federal e o Ministério Público, não obstante manteve a firmeza retórica com um toque de acidez ao tratar do habeas-corpus e a mudança na jurisprudência da compreensão da prisão em segunda instância. Não disse abertamente, mas mostrou certa consternação com a possibilidade de interferência política no julgamento do HC preventivo de Lula no próximo dia 4. Não à toa enfatizou repetidas vezes o papel singular do HC na compreensão constitucional, dando a clara mensagem de que uma concessão desse HC preventivo ao ex-presidente é simplesmente um assassínio do entendimento consolidado sobre o tema; além de uma porta escancarada para a impunidade, uma hemorragia jurídica que trará consequências desastrosas para o combate à corrupção e à impunidade dos poderosos.

Com certeza é um dos homens mais preparados intelectualmente para o debate sobre a corrupção, ainda que debater não seja parte de sua função e nem mesmo de seu gosto, como é possível ver em suas recorrentes recusas às entrevistas. Seu recado foi direto e sem margens para reinterpretações: ou o Supremo Tribunal Federal se impõe e impede agora o ativismo jurídico que busca fazer lobby jurídico para a casta dos poderosos, ou a luta contra a corrupção acaba e a impunidade se instaura de maneira epidêmica.

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