A campanha de assassinato de reputação do ex-juiz e atual ministro Sergio Moro continua a todo vapor. A última bala disparada por seus detratores, que se mostrou de festim, foi sobre uma palestra que o então juiz fez e acabou omitindo, o que é proibido pela lei. Ele fizera várias outras palestras devidamente declaradas, e alegou ter evitado a autopromoção com essa palestra, já que doou os recursos para a caridade:
Ficamos então assim: a turma que defende o ex-presidente quer atacar Moro por uma palestra que ele ocultou, cuja remuneração ele doou para caridade, sendo que o marginal preso ocultou um sítio e um tríplex, que ganhou como propina, enquanto dava “palestras” fantasmas para empreiteiras, acumulando milhões de patrimônio no processo. São critérios no mínimo estranhos.
“Ah, mas não é para comparar com Lula, e sim para mostrar que Moro não é perfeito”, pode dizer alguém que tenta ocultar as reais intenções. Ok, Moro não é perfeito. Aliás, quem o é? Mas eis o ponto: heróis raramente são perfeitos. Churchill está aí para provar.
O personagem do comunista Bertold Brecht dizia “pobre do povo que precisa de heróis”. Não concordo. Pobre do povo que tem os heróis errados, como Macunaíma ou… Lula. Precisamos de referências morais, de lideranças corajosas, e esses são os heróis.
Nos Estados Unidos o povo entende melhor isso, trata seus veteranos de guerra como heróis, reconhece em seus bombeiros grande heróis, cumprimenta os policiais com deferência. “Moro apenas cumpriu sua função de juiz”, alegam os que tentam diminuir seu feito heroico.
Ora, então porque até a Lava-Jato não vimos nada parecido em termos de combate à corrupção? Por que só com Moro e a Lava-Jato tivemos caciques tão poderosos sendo presos, com bilhões devolvidos aos cofres públicos? Alguém acha mesmo que é fácil ou trivial mandar para a prisão gente tão poderosa e perigosa?
O grau de sacrifício pessoal em prol do coletivo é o que cria heróis. Moro, por esse critério, certamente foi um herói nacional e merece todo o respeito e admiração. Ao aceitar virar ministro, acabou sendo tragado para o mundo mais sujo da política, e passou a ter de fazer política. Mas os heróis costumam ser discretos.
Quando era juiz, Moro aceitou a tal palestra por conta do pedido de um amigo. E, segundo uma fonte que trabalhava no grupo que organizou a palestra e ajudou a levar Moro, o então juiz recusou um cachê quatro vezes maior. “Por esse valor, me nego a ir. Só vou por um valor simbólico quatro vezes menor”, teria dito Moro. “Não seria correto nem ético eu receber um valor desses”, acrescentou.
Em resumo: Moro iria de graça fazer a palestra, para atender ao pedido de um amigo, e acabou cobrando um valor simbólico, que doou para caridade. Mas a notícia é a omissão da tal palestra, usada por gente que pretende nivelar todos por baixo. “Ninguém é perfeito” é frase típica de quem quer defender os piores. Eu prefiro sempre me mirar nos melhores.
Ray Dalio, em seu livro Princípios, fala um pouco sobre seu contato com certas autoridades:
Em geral, quem não teve contato direto com os líderes políticos de seu próprio país e dos demais forma suas opiniões com base no que vê na mídia e, como resultado, é muito ingênuo e dogmático. Isso acontece porque histórias dramáticas e fofocas conseguem mais audiência do que a objetividade dos fatos. Em alguns casos, os “jornalistas” tentam até passar adiante os próprios posicionamentos ideológicos. […] Ainda assim, passei a respeitar a maioria das autoridades com quem trabalhei e a sentir pena da terrível posição em que estavam. A maior parte é feita de pessoas de princípios elevados e que se vê forçada a operar em ambientes nos quais não há princípios. Na melhor das circunstâncias, o trabalho de formulador de políticas é desafiador; na pior, quase impossível. O mundo da política é horrendo, ainda pior graças a distorções e desinformação propagadas por parte da mídia. Uma série de autoridades com quem me encontrei – incluindo Draghi, De Guindos, Schauble, Bernanke, Geithner, Summers – era de verdadeiros heróis, no sentido de que colocavam a população e a missão com a qual estavam comprometidos acima dos próprios interesses. Infelizmente, a maioria das autoridades entra na carreira como idealista e sai dela desiludida.
Se Dalio conhecesse melhor o Brasil teria incluído Sergio Moro nessa lista, ou então Paulo Guedes, que precisou aturar até filho de bandido lhe chamando de “tchutchuca”. Ainda bem que entre nós há aqueles dispostos aos mais altos sacrifícios para ajudar a fazer o país avançar. Um pouco menos de ingratidão não faria mal a ninguém…
Rodrigo Constantino