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O prefeito de São Paulo, João Doria, está claramente em campanha para presidente. Transmite uma energia impressionante, e adotou de vez o figurino do gestor incansável, em eterno marketing. De gari a inspetor dos serviços públicos, aparece em vídeos trabalhando de madrugada, e tem feito uso intenso das redes sociais, em tempos em que até o presidente americano “governa” por meio do Twitter.

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Geraldo Alckmin, seu “padrinho” político e assumidamente candidato em 2018, não esconde a surpresa. Em entrevista à rádio Bandeirantes, disse sobre a eventual candidatura de Doria: “Não esperava, mas não tenho problema caso ocorra. Se tivermos mais de um concorrente, não importa quem seja, o partido deve abrir a disputa”, falou o tucano, que também defende as prévias no PSDB. “As primárias não dividem, elas escolhem”, completou.

Muitos ficaram empolgados com Doria. Afinal, trata-se de um tucano diferente, com coragem de bater mais pesado em Lula e no PT, de defender abertamente as privatizações. Quem não lembra de Alckmin virando um outdoor ambulante de estatais quando foi “acusado” de privatista em 2006, conseguindo com isso a façanha de ter menos votos no segundo turno? Além disso, Doria é um “outsider” do meio político, o que conta muitos pontos atualmente, com o povo cansado do establishment.

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Mas Doria, ainda que um empresário sem muita ideologia, é tucano, afinal de contas. E isso volta e meia vem pesar sobre seu nome. Adota por inércia bandeiras “progressistas”, que incomodam profundamente os liberais e os conservadores. Coisas como o desarmamento, por exemplo. E sobre a eleição americana, disse ser “totalmente” Hillary Clinton. Não que fosse maravilhosa a alternativa, e muitos conservadores tradicionais chegaram a embarcar na campanha do “Never Trump”. Mas se empolgar com Hillary? Aí não!

Essas escorregadas constantes de Doria deixam o verdadeiro liberal em estado de alerta, desconfiado. E para piorar, o próprio Doria resolveu bancar a tiete de Macron, que até “ontem” era um banqueiro engomado no governo socialista de Hollande. Eis o que disse o prefeito de SP sobre o encontro com o presidente francês:

“Pessoal, acabei de ter um momento muito especial. Me reuni com o Presidente da França, Emmanuel Macron, uma referência de gestão inovadora e transformadora”. Mesmo? É verdade que Macron resolveu mexer no vespeiro das reformas trabalhistas, tabu num país dominado por sindicatos fortes (soa familiar?). Mas Macron está longe de convencer como um gestor eficiente, menos ainda como liberal.

Macron pode até ser uma referência de como vencer eleições pelo “centro”, ou melhor, vindo da esquerda e bancando o “outsider”, com o apoio do establishment. Mas basta ver como sua popularidade já desabou para entender que era muito elevada a expectativa criada pelo marketing, que havia muita conversa fiada do “reformista”. Será que ele vai ter coragem ou condições de realmente desafiar os sindicatos e os políticos de esquerda?

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Aguardemos para ver o que vai sair efetivamente dessas propostas. Mas temos todo direito de desconfiar de Macron, como venho fazendo no blog desde o começo, aliás. E sim, temos direito de desconfiar do próprio Doria também, por todos esses motivos e muito mais. Reconheço, como já fiz aqui, que sua equipe tem trabalhado duro para melhorar São Paulo, desburocratizar o município, reduzir o papel do estado. Mas há deslizes, claro.

Como essa conversa de aumentar impostos. Segundo o Estadão, a gestão do prefeito João Doria (PSDB) pretende aumentar em 43%, em média, o valor venal dos imóveis da cidade de São Paulo e vai enviar até outubro à Câmara Municipal projeto de lei criando novas alíquotas do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Hoje, a cobrança do IPTU é fixada em 1% do valor venal. A tendência é que bairros nobres tenham maior reajuste do que as regiões periféricas.

Isso parece coisa de Fernando Haddad! Doria já escorregou na questão do Uber também, e ao manter um esquerdista ligado ao PSOL como secretário de Educação, o que gerou atrito com a turma do MBL. Os liberais, portanto, têm motivo para desconfiar e manter em xeque qualquer apoio a uma eventual candidatura de Doria em 2018.

Claro que, em política, tudo é relativo. Depende de quais sejam as alternativas. Uma delas é Jair Bolsonaro, mas que também desperta forte desconfiança em vários liberais, por motivos óbvios. Bolsonaro não é um liberal, e sim um nacionalista que, historicamente, defendeu um papel ativo (até demais) do estado na economia. Chegou a chamar de crime de lesa-pátria as privatizações de FHC.

É verdade que melhorou muito nesse discurso, mas ainda é uma incógnita, e dá claras escorregadas por conta de uma mentalidade militarista, como quando fala de forma obcecada sobre o nióbio ou diz que é favor das privatizações “em geral”, mas expõe inúmeras restrições práticas de quem, no fundo, não tem convicção desse caminho. Quem influencia Bolsonaro quando o assunto é economia? Ninguém sabe ao certo.

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Bernardo Santoro, que foi presidente do Instituto Liberal, comunicou hoje que se desligou do PSC para assumir o cargo de Secretário Geral Nacional do Patriota, novo partido de Bolsonaro. Santoro tem todas as credenciais de um liberal, e foi graças a ele que o pastor Everaldo incluiu a privatização até da Petrobras como bandeira de campanha na eleição passada. Espera-se que o jovem seja capaz de realmente influenciar Bolsonaro nessas questões econômicas, pois o deputado está precisando de ajuda nesse campo.

Os defensores de Bolsonaro acham que ele vai ganhar pois fazem uma comparação direta (e indevida) com Trump, mas o fenômeno da política nacional pode estar mais para o caso francês mesmo. Ainda não se sabe, mas é bom não confundir barulho nas redes sociais com votos efetivos.

Para Bolsonaro atrair eleitores mais “neutros” e ao centro, ele terá de vestir uma roupa mais moderada, e melhorar muito seu discurso econômico. A postura do deputado e de seus filhos, até aqui, aponta para uma direção contrária, com um grau elevado de agressividade contra quem ousa fazer qualquer crítica, ainda que construtiva, e a pessoas que poderiam ser aliadas de sua eventual candidatura, até por falta de opções.

Doria, por outro lado, investe pesado na imagem de gestor incansável de “centro”, que bate em Lula, mas não necessariamente na esquerda em geral. Como ele mesmo reconheceu, tem em Macron uma inspiração. Para efeitos práticos de um eventual governo, isso é desanimador para os liberais. Mas não quer dizer que seja uma estratégia equivocada de campanha. Afinal, Macron foi eleito, não?

Enquanto isso, os liberais seguem meio órfãos, tendo que tampar o nariz e escolher o menos pior, entre alternativas ainda bem distantes do liberalismo clássico verdadeiro.

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Rodrigo Constantino