“Foi para isso mesmo que votei nele!”. Eis a frase que mais lemos pelas redes sociais dos bolsonaristas, passando pano em todo tipo de comentário esdrúxulo do presidente. E ai de quem reclamar: não passa de um “isentão” que se curva diante do politicamente correto. Para essa turma, ser politicamente incorreto é sinônimo de ser tosco, mal-educado, grosseiro e ofensivo.
O caso mais recente foi a piadinha que Bolsonaro fez sobre a esposa de Macron. Comentando em cima de um texto de um internauta, o presidente “brincou” com a (falta de) beleza da primeira-dama, 24 anos mais velha do que o presidente.
“É inveja presidente do macron pode crê” (sic), dizia a mensagem, que trazia também uma imagem. Na gravura se vê uma foto de Bolsonaro e de sua esposa, Michelle Bolsonaro, abaixo de um retrato de Macron e de sua mulher, Brigitte Macron. Ao lado das fotos dos casais, há os dizeres: “Entende agora pq Macron persegue Bolsonaro?” (sic).
O perfil de Bolsonaro respondeu a Andreaça: “não humilha cara. Kkkkkkk” (sic), dando a entender que as recentes críticas de Macron ao presidente brasileiro seriam motivadas por inveja da esposa do brasileiro.
No último fim de semana, o titular da Educação, Abraham Weintraub, disse que Macron “é apenas um calhorda oportunista buscando apoio do lobby agrícola francês”. “Os franceses elegeram esse Macron, porém, nós já elegemos Le Ladrón, que hoje está enjauladón…Ferro no cretino do Macron, não nos franceses…”, publicou Weintraub, na sequência.
O presidente francês reagiu, dizendo esperar que “os brasileiros tenham logo um presidente que se comporte à altura” do cargo. Em entrevista ao lado do presidente chileno Sebastián Piñera, no âmbito da cúpula do G7 (clube dos países ricos), o chefe de Estado francês afirmou que “é triste” ver ministros brasileiros insultarem líderes estrangeiros.
Não elegemos uma referência moral, para quem temos filósofos, lideranças religiosas, pais. Elegemos um presidente, e queremos resultados. Foi essa a linha que muitos conservadores adotaram para justificar o apoio conservador a alguém como Trump, um sujeito claramente amoral.
Há um ponto aqui: muitos que tiveram postura mais “presidenciável” eram apenas hipócritas com atos imorais no poder, sem falar dos resultados sofríveis. Obama tinha pinta de gentleman, mas ajudou a incentivar a polarização racial no país, e entregou resultados medíocres. Clinton era um adúltero que gostava de meninas e funcionárias, mas entregou resultados melhores. O que vale mais?
É um tema delicado. Afinal, esperamos dos nossos líderes, acima de tudo, os resultados, mas certamente a conduta também conta para muitos. Eles levam a imagem do nosso país para fora, afinal. Temos o direito de esperar um mínimo de decência, não é mesmo?
A questão é quanto que a era das redes sociais influencia nisso. Será que presidentes do passado aguentariam a pressão se tivessem esse grau de escrutínio constante, essa exposição infindável, esses instrumentos que temos? Difícil saber. Muitos que abusaram da imoralidade na Casa Branca ou em Brasília não tinham esse grau de transparência, e o público foi poupado de muita indecência.
Dito isso, acho que a tecnologia não é desculpa para o mau comportamento. Sim, as redes sociais não ajudam muito. Aquilo é um antro de idiotas, de baixo nível, de xingamentos, de “mitadas” e “lacradas”. Mas temos que manter o nível, apesar de tudo. Precisamos resistir à tentação de jogar para a plateia, de ser o engraçadinho.
Ben Shapiro tem um ponto quando compara o Twitter ao “Boo Box” do capitão Hook, onde se tranca o alvo numa cápsula e se joga escorpiões lá dentro. Está cheio de escorpião por lá, só esperando quem será o próximo alvo apontado pelo capitão para destilar todo seu veneno.
Mas quando o próprio presidente sucumbe à tentação, aí temos um problema que pode se tornar diplomático. Os presidentes representam seus respectivos povos. É de péssimo gosto um presidente zombar da mulher do outro. É simplesmente abjeto.
E não importa que o outro tenha sido arrogante ou até “imperialista” em seus comentários sobre a Amazônia, ameaçando nossa soberania nacional. Se for esse o caso, a resposta deve ser firme, mas protocolar. Nada justifica fazer piadinha com a feiura ou idade da esposa do presidente francês.
Essa gente ainda não entendeu a diferença entre conversa de bar e declaração “oficial”, ignorando a liturgia do cargo que ocupam. E, ao agirem dessa forma, podem receber “likes” da militância tosca, mas espalham a vergonha entre os brasileiros que ainda preservam a decência.
A postura indefensável do presidente fez com que eu concordasse até com Glenn Greenwald, ao apontar a hipocrisia dos conservadores moralistas: “Macron é casado com a mesma mulher a vida toda dele. Bolsonaro trocou suas esposas por mais novas e mais jovens quando dá na telha. Mas o movimento de ‘família’ e ‘moralidade’ e ‘casamento tradicional’ vê o último como mais admirável que o primeiro”. Ele tem um ponto, infelizmente.
A questão, porém, é a que levantei acima: mesmo alguém mais imoral em seu comportamento pessoal pode entregar melhores resultados como governante, e não falo só de economia. Um mulherengo desbocado pode acabar fazendo mais pelos valores tradicionais na prática, em que pese sua imagem, do que alguém com pinta de cavalheiro ou padre, mas que adota medidas que enfraquecem os pilares sociais e nossos valores morais.
É o que torna tudo mais complexo, não obstante o desejo de muitos, especialmente dos conservadores de boa estirpe, de unir o útil ao agradável, a mensagem ao mensageiro: como seria bom ter um líder com postura decente!
Rodrigo Constantino
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