Por João Luiz Mauad, publicado pelo Instituto Liberal
Dia desses, na academia que frequento, havia uma senhora portadora da Síndrome de Down “malhando” no mesmo horário que eu. Ele devia ter entre 50 e 60 anos, e estava desacompanhada, fazendo seus exercícios apenas com a supervisão de atenciosos professores e estagiários. Estava compenetrada, mas parecia contente com o que fazia. Fiquei feliz de vê-la ali.
Aquela senhorinha nasceu numa época em que não era nada comum a presença de portadores da Síndrome de Down em locais públicos. Ao contrário, eles costumavam ser escondidos pelas famílias e quase não saíam de casa. Hoje, muita coisa mudou. A maioria deles alcança bom nível de desenvolvimento de suas capacidades individuais e crescentes níveis de autonomia. Boa parte deles estuda, se diverte e até trabalha. Em resumo, passaram a ocupar um lugar digno na sociedade. Esta é a boa notícia. A má é que nada disso tem sido suficiente para impedir os modernos eugenistas de tentar extirpar os portadores de Down da face da Terra.
A síndrome de Down não é uma doença. Trata-se de uma condição genética que vem acompanhada de algumas peculiaridades como hipotonia – diminuição da rigidez dos músculos -, e déficit cognitivo. Além disso, a síndrome torna os indivíduos mais predispostos a doenças cardíacas, disfunções da tireoide, lesões ortopédicas, além de problemas oculares e auditivos. Nada, entretanto, que não possa ser enfrentado com um bom acompanhamento médico. Tanto que a estimativa de vida dos portadores da síndrome tem aumentado muito nos últimos anos. Hoje, a ênfase da pesquisa médica mudou para dar aos indivíduos com a síndrome de Down mais dignidade e autonomia. O ambiente cultural e médico em que uma criança com síndrome de Down nasce hoje é irreconhecível para as pessoas que viveram nos anos 60, como eu.
Tudo isso é verdade. Mas está muito longe de ser toda a verdade, como bem descreveu Jeff Jacob. Infelizmente, a grande maioria dos bebês com o distúrbio não cresce em meio ao amor e à dignidade. Eles simplesmente não nascem, pois são deliberadamente mortos no útero.
Num ensaio para a Slate, Ruth Graham, que enfrentou o conflito entre o direito legal das mulheres de escolher um aborto e a monstruosidade de matar bebês em gestação apenas porque eles têm um cromossomo extra, nos oferece algumas estatísticas estarrecedoras:
Em muitas partes da Europa, incluindo o Reino Unido, a taxa de abortos após um diagnóstico pré-natal de Síndrome de Down é hoje maior que 90%. Na Islândia, onde os testes são generalizados, “basicamente erradicamos a síndrome de Down de nossa sociedade”, disse um geneticista à CBS, no ano passado. Na Dinamarca, onde todas as mulheres grávidas recebem exames de rastreamento desde 2004, o transtorno está Caminhando para a “extinção ”. Na Irlanda, um dos poucos países da Europa Ocidental onde ainda é comum encontrar pessoas com deficiências como síndrome de Down, os cidadãos votaram esmagadoramente no mês passado para reverter as rígidas restrições constitucionais do país ao aborto.
Nos Estados Unidos, o rastreamento não é tão difundido como na Europa, mas estima-se que cerca de três quartos das mulheres que recebem um diagnóstico pré-natal de síndrome de Down terminam a gravidez, de acordo com uma pesquisa recente publicada em 2012. Embora não seja amplamente discutido em público, a suposição padrão em certos meios é que abortar depois de um diagnóstico de síndrome de Down é agora a coisa natural e óbvia a ser feita.
Como explica Jeff Jacob, entretanto, abortar um feto porque foi diagnosticado com síndrome de Down é um ato de extremo egoísmo e depravação. É a destruição de uma vida humana inocente pelos pais que querem um bebê – mas apenas se esse bebê for perfeito. Em todo o mundo, mas principalmente na China, milhões de meninas são abortadas todos os anos por pais determinados a ter um filho homem, e esse é um fato que choca muita gente. A questão é que não há diferença moral entre abortar um bebê saudável por causa de seu sexo e abortar um bebê porque tem síndrome de Down.
Pesquisadores do Hospital Infantil de Boston relataram em 2011 que “a experiência é positiva para a maioria dos pais, irmãos e pessoas que convivem com a síndrome de Down”. Em três pesquisas nacionais vinculadas, a equipe de pesquisa descobriu que 79% dos pais de uma criança com síndrome de Down relataram que a vida melhorou por causa de seu filho, enquanto 94% dos irmãos e irmãs de alguém com síndrome de Down expressaram orgulho de seu irmão. Quanto aos próprios portadores da síndrome de Down, surpreendentes 99% disseram que estavam felizes com suas vidas, 97% gostam de quem são e 96% gostam de sua aparência. Apenas 4% expressaram tristeza em relação a sua vida.
E, no entanto, a “suposição padrão” hoje em dia é de que matar essas pessoas alegres, calmas e radiantes, ainda no útero materno, é a coisa natural e óbvia a ser feita.
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