O deputado Jair Bolsonaro tem atraído milhões de eleitores e subido em pesquisas por conta de várias de suas qualidades, como a percepção geral de se tratar de uma pessoa honesta, patriota, firme no combate ao esquerdismo e determinado a resgatar um pouco de ordem num país caótico, estragado pelas ideias “progressistas” – das quais os tucanos são cúmplices.
O número crescente de defensores de seu nome como alternativa para 2018 não necessariamente ignora seus defeitos, como a ausência de conhecimento na área econômica, que ele mesmo reconhece, ou uma verborragia intensa, um estilo meio tosco, de quem diz o que pensa sem muito filtro, ligando a metralhadora giratória contra seus detratores.
O caso mais recente teve a jornalista Míriam Leitão como alvo. O deputado partiu para a ofensa, inclusive fazendo trocadilho com seu sobrenome. A resposta gerou forte reação negativa, mas também aplausos. Dá para aplaudir algo assim? E onde ficam as boas maneiras? Será que devemos focar só no conteúdo e ignorar a forma? É o que trago para reflexão.
Estou convencido de que o brasileiro, em geral, dá muito valor à forma, e pouco ao conteúdo. Somos o país do esteticismo, como Martim Vasques da Cunha mostra em seu A poeira da glória. Na visão puramente estética de mundo, vale mais a aparência, e isso produziu uma legião de gente falsa, dissimulada, que precisa posar de moderada mesmo que defenda as ideias mais abjetas, como o socialismo.
Eu mesmo tenho vários textos antigos atacando essa mania nossa de priorizar a forma e deixar de lado o conteúdo. Já fui vítima disso com frequência, acusado de radical, extremista, só porque não passo recibo e compro briga com os verdadeiros radicais de forma bem direta, sem rodeios, sem tentar bancar o “isentão”. O que mais tem por aí é extremista revolucionário de fala mansa. O PSOL, a Rede e a Globo estão cheios deles!
Dito isso, e deixando claro que eu prefiro, ao contrário da nossa cultura, priorizar o conteúdo em vez da forma, o que é mais genuíno no lugar da máscara falsa, não sou da opinião de que a forma é totalmente irrelevante. Na área em que atuo, por exemplo, da escrita, diria que o estilo é fundamental. Às vezes leio um texto com deleite por conta da forma, mesmo que o conteúdo não tenha nada demais.
Lendo mais um livro de Theodore Dalrymple, o décimo-primeiro que encaro do autor, deparei justamente com um ensaio sobre a importância das boas maneiras. Dalrymple citava o caso de seu amigo, Lord Peter Bauer, que mesmo no hospital, com mais de 80 anos e doente, fez questão de ficar de pé até a esposa de Dalrymple se retirar do quarto, em deferência às mulheres. Dalrymple escreve:
Assim como o estilo na prosa deve ser imperceptível, como o veículo excepcionalmente perfeito para o que é dito e indissolúvel, os modos devem ser inconscientes, não adicionados para conduzir, mas intrínsecos. Eles não devem surgir da reflexão, mas de um hábito tão profundamente enraizado que, por muito que possam ter sido inculcados ou aprendidos, eles são agora inteiramente naturais e normais para a pessoa que os possui.
Dalrymple está sendo aristotélico aqui, lembrando que o hábito faz o monge, que as virtudes devem ser incutidas em nós por meio da repetição, até se tornarem parte inerente de nossa natureza. O outro exemplo mencionado pelo médico britânico é o de Kant, que teria feito um esforço sobre-humano para se manter de pé e apertar a mão do seu médico, momentos antes de falecer. Ele teria dito ao seu discípulo e biógrafo: “Deus me livre de afundar tão baixo a ponto de esquecer os ofícios da humanidade”.
Esses dois exemplos são usados por Dalrymple para reforçar a importância das boas maneiras, da elegância, da postura de cavalheiro, num mundo que vem desprezando cada vez mais isso. Ele não ignora, porém, que boas maneiras podem vir com um péssimo caráter:
Claro que os bons costumes podem disfarçar a maior vilania; e um homem sem modos pode ser de bom coração. No entanto, nos casos de Immanuel Kant e Peter Bauer, parece haver uma conexão entre sua bondade geral e seus modos refinados.
Dalrymple termina o ensaio lamentando a reação de muitos à morte de Thatcher, quando várias pessoas mostraram não sentir a necessidade de controlar sua raiva em nome do decoro e da decência. Ele questiona inclusive quantas pessoas seriam capazes, hoje, de saber o que é decoro. As redes sociais, a era da vulgaridade, o ataque à cultura e aos clássicos, tudo isso tem ajudado nesse ambiente de “vale tudo”, em que conter emoções em público passa a ser sinônimo de falsidade. É como se devêssemos agir como os animais, sem qualquer freio entre o estímulo e a resposta.
Para muitos liberais e conservadores, que valorizam tanto o conteúdo como a forma, e prezam as boas maneiras que chamamos de civilidade, o estilo bronco de Bolsonaro é simplesmente intragável. Posso compreender perfeitamente isso, e tendo inclusive a concordar. Mas, sem querer bancar eu mesmo o “isentão”, faço o papel de advogado do diabo aqui: o contexto importa também.
Os brasileiros de classe média estão saturados do “bom-mocismo” hipócrita da esquerda, da retórica bonitinha de socialistas que quase destruíram nossa democracia, afundaram nossa economia e vêm espalhando imoralidade por todo canto; estão indignados com os corruptos que riem e sambam impunes da nossa cara de otários; estão revoltados com o massacre de mais de 60 mil homicídios por ano, enquanto os “progressistas” tratam os marginais como “vítimas da sociedade”; estão de saco cheio do duplo padrão da mídia, que sempre detona a direita e protege a esquerda, que chama criminosos socialistas de “manifestantes” e ridiculariza todo conservador como alguém reacionário e obscurantista; estão esgotados da campanha depravada dos movimentos que defendem “ideologia de gênero” e outras bizarrices, usando nossos filhos como cobaias em seus experimentos perversos; estão no limite com a turma “simpática” que, no fundo, defende a agenda comunista.
É nesse clima de guerra que as boas maneiras parecem perder relevância, a ponto de tanta gente ou ignorar ou até mesmo vibrar com a ofensa de Bolsonaro. Afinal, podemos pensar se a educação e o cavalheirismo de um soldado seriam os itens mais destacados numa batalha de vida ou morte contra nazistas ou comunistas. E, para muitos brasileiros, chegamos nesse estágio já, e eles parecem dispostos a jogar para escanteio as preocupações “afetadas” com as boas maneiras.
Espero, sinceramente, que o pêndulo não extrapole para um nível de descontrole. Pois seria uma pena derrotar a esquerda radical que, muitas vezes, finge-se de moderada na forma, mas levar junto a própria civilização que pretendemos salvar dessa gente. Seria como jogar fora o bebê junto com a água suja do banho.
Rodrigo Constantino