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Por João Luiz Mauad, publicado pelo Instituto Liberal

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Dois fatos recentes demonstram o clima de caça às bruxas que tem imperado, há décadas, no interior da burocracia que fiscaliza e julga as relações de trabalho no Brasil. No início da semana, comentei a notícia de um evento patrocinado pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) em Brasília, com o objetivo de “discutir os horizontes hermenêuticos da reforma trabalhista”, que acabou sendo convertido em comício contra a reforma trabalhista, introduzida pela Lei n.º 13.467/17, que entrará em vigor no dia 11 de novembro.

No evento, que contou também com a presença de integrantes da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho e da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, a trupe reafirmou solenemente que, ao interpretar as novas regras, arguirão sua inconstitucionalidade e adotarão medidas protelatórias para evitar que esses questionamentos cheguem às instâncias superiores, tentando assim inviabilizar a aplicação da nova legislação trabalhista.  Ou seja, admitem veladamente utilizam a lei não como um instrumento para fazer valer a justiça ou o direito das partes, mas para dar vazão às suas idiossincrasias e veleidades.

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Poucos dias depois, os jornais foram tomados por uma barulhenta gritaria dos valentes contra a Portaria # 1.129 do Ministério do Trabalho e Emprego, publicada no último dia 13, que, entre outros dispositivos, regulamenta os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo.

Por que a gritaria?  Simples: a regulamentação tende a acabar com interpretações pra lá de arbitrárias de fiscais, procuradores e juízes do trabalho, que vinham criminalizando delitos de natureza trabalhista com base no artigo 149 do Código Penal. Tal artigo, introduzido por uma lei de 2003, tipificou o famigerado crime de redução à condição análoga a de escravo, com a seguinte redação:

“Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: pena de reclusão de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência”.

E o que fez a portaria 1.129? Nada além de tornar objetivo o que vinha sendo interpretado de forma absolutamente subjetiva.  Assim, considerar-se-á:

I – trabalho forçado: aquele exercido sem o consentimento por parte do trabalhador e que lhe retire a possibilidade de expressar sua vontade;

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II – jornada exaustiva: a submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais aplicáveis a sua categoria;

III – condição degradante: caracterizada por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação da sua dignidade;

IV – condição análoga à de escravo:

  1. a) a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária;
  2. b) o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento geográfico;
  3. c) a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto;
  4. d) a retenção de documentação pessoal do trabalhador, com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho;

Além disso, a portaria determina que os conceitos estabelecidos acima deverão ser observados em quaisquer fiscalizações procedidas pelo Ministério do Trabalho, inclusive para fins de inclusão de nome de empregadores no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo.

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Também estabelece que, no auto de infração lavrado pelo Auditor-Fiscal do Trabalho, assegurar-se-á ao empregador o exercício do contraditório e da ampla defesa a respeito da conclusão da Inspeção do Trabalho de constatação de trabalho em condições análogas à de escravo.

Diz ainda que deverão constar obrigatoriamente no auto de infração que identificar o trabalho forçado, a jornada exaustiva, a condição degradante ou a submissão à condição análoga à de escravo, os seguintes documentos:

II – cópias de todos os documentos que demonstrem e comprovem a convicção da ocorrência do trabalho forçado; da jornada exaustiva; da condição degradante ou do trabalho em condições análogas à de escravo;

III – fotos que evidenciem cada situação irregular encontrada, diversa do descumprimento das normas trabalhistas;

IV – descrição detalhada da situação encontrada, com abordagem obrigatória aos seguintes itens previstos na legislação:

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  1. a) existência de segurança armada diversa da proteção ao imóvel;
  2. b) impedimento de deslocamento do trabalhador;
  3. c) servidão por dívida;
  4. d) existência de trabalho forçado e involuntário pelo trabalhador.

Apesar de tratar-se de portaria respaldada por princípios consagrados do Estado de Direito, do Império da Lei e da Ampla Defesa, uma nota conjunta divulgada pelo Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalhoalega que “a portaria é ilegal por contrariar o artigo 149 do Código Penal, que define como caracterização de condição análoga à de escravo a submissão a trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e restrição da liberdade do trabalhador. A nova regra reduz os elementos que indicam o trabalho escravo, de forma que a jornada excessiva ou a condição degradante só poderão ser comprovadas quando for constatada a restrição de liberdade do trabalhador, eliminando os outros elementos dispostos na legislação.” (???)

A nota critica também “a burocratização do relatório para autuação da empresa. Antes, o documento consistia em um relato das condições irregulares encontradas durante as fiscalizações. Pelas novas regras, o documento deve conter um boletim de ocorrência lavrado por policial que tenha participado do flagrante.”

Ora, com a devida vênia, o que eles chamam de “burocratização” nada mais é do que o cuidado mínimo que se deveria ter sempre que se imputa um delito penal a qualquer indivíduo, mas que vinha sendo sistematicamente negligenciado pelos auditores.

Como bem resumiu um ótimo editorial do jornal O Estado de São PauloTais exigências são medidas de elementar prudência, seja para assegurar uma correta instrução das provas do crime, seja para diminuir a ocorrência de achaques de quem se vale da gravidade das penas para negociar benefícios pessoais. Quem aplica a lei precisa, antes de tudo, respeitar o trabalhador e o empregador.”

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“Como se pode constatar”, prosseguem os editores do jornal paulistano, as definições e conceitos constantes da portaria 1.129 “são descrições razoáveis, que não ferem a legislação. É forçoso reconhecer, no entanto, que a Portaria 1.129 contrasta não com a lei, mas com a interpretação que alguns agentes da lei – em especial, alguns membros do Ministério Público do Trabalho – fazem da legislação. Só dessa maneira se entende a crítica de alguns à portaria do Ministério do Trabalho. Há quem, sem ter mandato legislativo, queira ditar o conteúdo da lei, com interpretações que vão muito além do sentido literal dos textos aprovados pelo Poder Legislativo. O nome disso é arbítrio.”

Esperemos que, desta vez, o Governo Temer não se deixe intimidar pela gritaria e pela patrulha e mantenha a portaria, a bem da segurança jurídica e do Estado de Direito.