Por Percival Puggina
No início de novembro, o Conselho de Estado francês (o STF deles) decidiu que instalar presépios em locais públicos não contraria, a priori, a lei de separação entre Igreja e Estado (matéria do Le Monde pode ser lida aqui). A Corte entendeu que presépio é uma representação susceptível a diferentes significados: tem certo “caráter religioso”, porque ilustra “uma cena que faz parte da iconografia cristã”, mas é também, um elemento que integra a “decoração e ilustração que acompanha tradicionalmente, sem significação religiosa particular, as festas de fim de ano”. O Conselho, então, esclareceu que cabe discernir, caso a caso, qual o caráter determinante da exposição do presépio. Se for de natureza ou conotação religiosa, não deve ser permitida.
A questão que assim foi “resolvida” no caso particular de locais públicos franceses ilustra algo que ocorre mundo afora. Em nome do multiculturalismo e sob as vestes da mais prestimosa tolerância, reproduzem-se, em todo o Ocidente, episódios nos quais representações e símbolos cristãos são banidos dos espaços e agendas públicas.
Seria hipocrisia negar que esse assédio tem o cristianismo como alvo certo e único. A militância de associações civis, os atos legislativos já produzidos e tantas decisões judiciais lavradas com esse intuito, ainda que valendo para todos os credos, alinham dois argumentos: 1º) em locais públicos, os símbolos religiosos desrespeitariam a separação entre Igreja e Estado e 2º) seriam constrangedores ou ofensivos à sensibilidade de outros crentes e descrentes em geral. Então, vejamos:
- símbolos religiosos em locais públicos desrespeitam a separação entre Igreja e Estado?
É o sonho dourado do multiculturalismo anticristão. Promover, gradualmente, uma revolução cultural que varra para baixo do tapete da memória o cristianismo presente em dois milênios de história. E covardia para aceitá-lo não falta. Pergunto: a retirada da cruz que encima a coroa espanhola no símbolo do Real Madrid não foi exigida ao clube pela parceria com o Banco Nacional de Abu Dahbi? Quem garante que, em breve, a cruz presente nas bandeiras de uma dúzia de países europeus não sejam, em respeito ao multiculturalismo, substituídos por símbolos niilistas ou new age? Andamos em marcha batida, nessa direção.
- os símbolos religiosos ofendem crentes e descrentes de outros credos?
Tal pergunta me leva a esta outra: até onde se deve fazer concessões aos intolerantes, em nome da tolerância? Porque é disso que hoje se trata no Ocidente, de modo constante, diariamente, nos mais diferentes países, sempre que algum ato, ou fato, suscita a obstinada questão. Não consigo imaginar como se avançaria para uma vida social mais harmônica com tolerância ilimitada de todos à ilimitada intolerância de alguns. Porque convenhamos, indivíduos que diante de símbolos religiosos expressem constrangimento ou indignação revelam problemas psicológicos e atitude antissocial. Qualquer outro modo de se ver a mesma questão importa um olhar bizarro sobre o fenômeno religioso e sua participação na cultura.
Diariamente, milhões de católicos que visitam países islâmicos talvez se surpreendam (e até mesmo se estarreçam) perante certas práticas culturais, mas ninguém se dirá ofendido ou constrangido por qualquer manifestação ou símbolo religioso muçulmano em espaços públicos. E ninguém se nega a atender preceitos a que não estão habituados. O sujeito tem que sofrer de alguma disfunção para manifestar animosidades diante de um crucifixo, uma estrela de Davi, um Om islâmico, uma roda de Dharma, quer estejam no alto de uma coluna, no centro de uma praça, quer ao rés do chão, como singelo presépio em espaço público. E mais paradoxal ainda: como conciliar com multiculturalismo (!) a patológica intolerância ?