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Tabata Amaral x Ciro Gomes: uma disputa pelo espaço político à esquerda

A jovem deputada Tabata Amaral ganhou enorme destaque na imprensa por ter votado a favor do texto-base da reforma previdenciária, contrariando indicação do seu partido PDT. Eu mesmo a elogiei, conclamando-a a sair do partido de Carlos Lupi e Ciro Gomes.

Além dela, outros sete deputados contrariaram a determinação partidária, mas seu destaque vem de antes: ela é queridinha da mídia por ser jovem, bonita e ter uma história sedutora, da menina pobre que estudou em Harvard. É uma narrativa sempre atraente, um caso de superação individual.

No mais, Tabata contou com o financiamento de entidades ligadas ao bilionário Jorge Paulo Lemann, o que certamente lhe abre portas, dando entrevistas ao Pedro Bial e tudo mais. Ela foi vendida na política como alguém acima da disputa entre esquerda e direita, como um rosto novo de quem está preocupada com o futuro da nação.

Muitos, após seu voto, compraram a tese e viram nela uma possibilidade de superação da “velha política”. Ciro Gomes ameaçou os rebeldes com a expulsão, cobrou a renúncia, e disse que não é possível servir a dois mestres.

A deputada Rosana Valle (PSB-SP), que votou a favor da reforma da Previdência contra a orientação do PSB, diz que não se arrepende da sua decisão, apesar de agora enfrentar questionamentos éticos no partido. “Nem quando criança, na sala de aula, fui expulsa. Mas, estou ciente que posso sofrer punições, chegando à expulsão. Apesar disso, sei que fiz o que precisava ser feito, o que considerei ser correto e a vontade do meu eleitorado”, diz.

Há vários aspectos interessantes nesse caso todo. Em primeiro lugar, é fundamental lembrar de que se trata de uma briga dentro da esquerda, ou seja, não é porque alguns deputados desafiaram caciques partidários esquerdistas que se tornam automaticamente centristas ou direitistas. Trotski desafiou Lenin e não deixou de ser comunista por isso. A tática de acusar de “fascista” ou “neoliberal” todo aquele que briga com algum socialista é velha e manjada, mas continua sendo absurda.

Tabata e os demais políticos continuam sendo de esquerda, portanto, apesar de divergências pontuais sobre determinadas questões. É mérito dela que tenha votado certo dessa vez, apesar dos destaques em seguida, mas isso não a torna uma deputada com o perfil do Partido Novo, como alguns chegaram a sugerir. O tucano João Doria tenta atrai-la para o PSDB, o que já faria mais sentido: é um partido social-democrata, logo, de esquerda, ainda que uma esquerda mais moderna do que a jurássica representada por Ciro Gomes e companhia.

Outro aspecto interessante é a idade. Desde Mao Tse-Tung e da revolução de 68 que se vende essa ideia de que a sabedoria está na juventude. Dediquei todo um capítulo em Esquerda Caviar para refutar essa bobagem, bebendo muito da fonte de Nelson Rodrigues. O jovem muitas vezes tem os mesmos defeitos do velho, fora a falta de maturidade.

A idade em si não diz nada: alguém com 80 anos pode defender ideias mais modernas do que alguém com 25. O que importa não é a data de nascimento em si, mas o que a pessoa defende. O esquerdismo é velho, as ideias de intervenção estatal são ultrapassadas, a noção de o governo como locomotiva do progresso cheira a naftalina, e a crença no estado paternalista é tão antiga quanto fracassada.

Não vamos focar, portanto, na idade: Tabata é jovem, mas defende ideias velhas e equivocadas; Kim Kataguiri também é jovem, mas defende o inovador liberalismo, que nunca nos deu o ar de sua graça no Brasil. Há jovens com boas e más ideias, e há idosos com boas e más ideias. Debatamos as ideias, então, sem ligar tanto para a idade.

A reação de Ciro Gomes tem muito a ver com essa preocupação: ele sentiu a ameaça de uma narrativa que o joga para escanteio como representante de uma esquerda velha e ultrapassada (fato) em troca de novos rostos que representariam a novidade, a esquerda moderna, uma espécie de “terceira via” (algo tão antigo quanto o octogenário FHC, diga-se). Ciro quer demarcar território dentro da esquerda, eis a essência de sua reação.

Dito isso, não quer dizer que ele esteja totalmente errado em termos conceituais. Esses deputados eleitos com base em movimentos de renovação carregam uma contradição em si: devem satisfação a esses grupos mais ideológicos, mas também devem obrigações aos partidos que os elegeram. Não há bônus sem ônus: a estrutura partidária é essencial numa democracia representativa, e todo candidato faz uso desse instrumento, beneficiando-se de fundo partidário, horário gratuito e a própria sigla.

Criar um partido político não é moleza, ao menos não pelas vias corretas, como os apoiadores do Partido Novo bem sabem. Se cada deputado vota sempre de acordo só com sua consciência e não precisa ligar para diretrizes partidárias, para que servem os partidos? Teremos apenas indivíduos se candidatando, pronto.

Não funciona assim na prática, e é natural, portanto, esperar que alguma restrição exista para fazer parte de um partido. Em questões essenciais, parece errado um deputado ir contra a indicação de seu partido. Ciro não está errado, então, ao cobrar coerência desses deputados, e pressiona-los a saírem do PDT se acham que as recomendações do partido batem de frente com suas crenças.

Movimentos como Renova, Acredito e outros, que ajudaram a “formar” esses candidatos por meio de cursos, têm o direito de cobrar comprometimento com seus valores e princípios, mas quando estes entram em choque com aqueles do partido que os abrigou, como escolher? Há quem diga que tais grupos, no fundo, serviram como alternativa ao financiamento de campanha, já que o STF proibiu contribuição empresarial. Ainda assim, são dois mestres mesmo, e não é trivial definir quem deve falar mais alto.

O resumo da ópera: acho ótimo Tabata e os demais terem rejeitado a indicação de seus partidos e votado pela reforma necessária ao país, mas considero importante frisar que se trata de disputa interna da esquerda. Tabata sem dúvida parece mais moderada do que o ultra-radical Ciro Gomes, um oportunista de marca maior que tem pregado as bandeiras mais jurássicas que existem. Mas então ela deveria mesmo mudar de partido. O problema é que se pedir para sair, como quer Ciro, ela perde o mandato. Eis o dilema.

Resta a ela, então, tentar ocupar espaços dentro do próprio PDT. E é isso que Ciro não vai aceitar. Da minha parte, pretendo acompanhar tudo com uma pipoca ao lado, torcendo para que vença o menos pior, ou seja, que o coronel seja derrotado pela jovem. Tabata ainda será esquerdista, mas é uma esquerda com quem ao menos se pode dialogar de forma civilizada. Com o destemperado Ciro, que quer receber policiais “à bala”, isso não é possível.

Rodrigo Constantino

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