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Tea Party e Estado Islâmico: ambos de direita?

Cacá Diegues: a velha esquerda que se finge moderna

Há rótulos que podem confundir mais do que elucidar. Não sou daqueles que pensam que direita e esquerda são conceitos ultrapassados – e normalmente quem diz isso defende a esquerda. Mas é preciso tomar cuidado, pois tem muita gente que manipula tais conceitos para vender uma falsa dicotomia, de que a esquerda se preocupa com o social, enquanto a direita representa o que há de mais fundamentalista, reacionário e tacanho.

Em sua coluna de hoje no GLOBO, o cineasta Cacá Diegues, que é de esquerda, comparou os três candidatos principais à Presidência, para constatar que nenhum deles é de direita (mesmo?). Celebrou o fato de que temos uma hegemonia de esquerda na política nacional. E vejam só o que ele considera ícones da tal direita:

“Nossos presidenciáveis se proclamam todos agentes da “mudança”, termo mágico dominante nessas eleições, usado tanto por quem já se encontra no poder, quanto por quem deseja assumi-lo. Nenhum dos três principais candidatos é tipicamente de “direita”. Apesar de a direita ter aprendido a ser um pouco mais sofisticada, parece que a lembrança do pesadelo dos tempos de ditadura está nos livrando dela. Podemos até encontrar, nos programas tão semelhantes dos três, algum ponto que nos desagrade; mas direita mesmo, para valer, são a família Le Pen na França, o Tea Party nos Estados Unidos, o Estado Islâmico no mundo árabe, e por aí afora.”

Entenderam? Direita, para ele, é o regime militar que tivemos, com Geisel sendo quase tão estatizante como Dilma. Ou então a família francesa Le Pen, com um discurso de ódio contra imigrantes, ao lado do Tea Party e, pasmem!, do Estado Islâmico no mundo árabe – aquele com o qual Dilma acha que devemos dialogar, enquanto degolam cabeças por aí. Isso é direita para o cineasta de esquerda.

Tamanho absurdo pode ser fruto apenas da ignorância? Confesso desconfiar da má-fé. Quem colocaria o Tea Party ao lado do Estado Islâmico assim, sem mais nem menos, além de alguém com a clara intenção de cuspir nos libertários americanos? Quer dizer que Ron Paul, que esteve no Brasil recentemente, teria algo a ver com os malucos assassinos do ISIS?

Cacá Diegues está certo em uma coisa: só dá esquerda em nossa política, ainda que existam diferenças importantes entre um PT e um PSDB, bem mais civilizado e democrático, e que aceita mais os valores do liberalismo. Mas por que ele não fala de uma direita como aquela representada por gente como Ronald Reagan ou Margaret Thatcher? Ou mesmo nosso falecido e saudoso Roberto Campos? Diz Diegues:

“Segundo Raymond Aron, a opção na política não tem nada a ver com a luta entre o bem e o mal, ela se dá entre “o preferível e o detestável”. O fim da Guerra Fria nos libertou da dualidade inexorável que aprisionava a inteligência humana em padrões absolutos. Hoje, estamos livres para seguir os diversos rumos de pensamento capazes de nos explicar as coisas. Não temos mais a rede de segurança da potência e da ideologia que apoiamos, temos que escolher por nossa própria conta. Eis aí a virtude e o problema do século 21.”

Notem como ele se sente aliviado com o fim da Guerra Fria por não precisar mais ficar “aprisionado” em padrões absolutos. Mas será que ele ignora o claro fato de que, na Guerra Fria, havia um lado evidentemente muito melhor, o capitalista liberal, ou seja, o de direita? O próprio Raymond Aron, por ele citado, era atacado pelo outro lado, o marxista autoritário, que desprezava a democracia e a economia de mercado. Era o lado esquerdo.

“Livre” das prisões ideológicas de esquerda ou de direita, hoje podemos escolher por nossa própria conta, celebra o cineasta. E ele, claramente, escolheu nostálgico a velha esquerda, precisando atacar de forma desonesta tudo aquilo que é de “direita”, como os liberais, os libertários, os conservadores e, naturalmente, os terroristas islâmicos. É mole?

Rodrigo Constantino

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