O governo resolveu aumentar o imposto de importação de leite em pó, para proteger os produtores nacionais. Já se fala em retornar com subsídios na conta de luz também. E não faltam defensores supostamente à direita justificando as medidas, não só pelo argumento pragmático de que seria um custo para se aprovar a reforma previdenciária, mas com base em “argumentos” econômicos mesmo. Proteger nossos produtores seria algo positivo em si, alegam, coisa que só “liberaloides puristas” não conseguem entender. Eles seguem “gurus” nacionalistas e populistas…
João Luiz Mauad, colunista do Instituto Liberal, comentou o caso e reuniu trechos de três grandes liberais – Adam Smith, Bastiat e Milton Friedman – para refutar essa bobagem. E não ficou apenas na teoria: mostrou o caso prático da Nova Zelândia que, com um governo de esquerda, adotou medidas liberais e abriu seu comércio, colhendo ótimos resultados. Segue o comentário e os trechos dos liberais clássicos:
Tenho lido, aqui e acolá, alguns bolsonaristas tentando justificar o aumento do imposto de importação sobre o leite em pó, para substituir a sobretaxa antidumping que expira agora. Dizem que primeiro seria preciso desonerar o produtor nacional, para só depois baixar as tarifas.
Isso não faz nenhum sentido. Para quem não sabe, o importador de leite em pó (que com a queda da tarifa antidumping passaria a ter um imposto de importação de 28%, mas que com a sobretaxa aprovada por Bolsonaro voltará aos 42%), além do imposto de importação, também paga TODOS os demais impostos incidentes sobre a produção e comercialização do produto nacional: IPI, ICMS, PIS, Cofins, etc. Tudo isso mais a tarifa de frete, em alguns casos, desde o outro lado do mundo.
Portanto, não queiram tapar o sol com a peneira. A suspensão da tarifa antidumping seria uma ótima oportunidade de iniciarmos um movimento real na direção da abertura comercial prometida, tanto por Paulo Guedes quanto pelo presidente, durante a campanha.
O que realmente aconteceu foi que o governo dito “liberal na economia” cedeu ao poderoso lobby dos produtores, cujo único objetivo é manter os consumidores tupiniquins eternamente reféns de seus preços altíssimos.
Tudo isso é profundamente lamentável.
O interesse dos empresários, em qualquer ramo particular de comércio ou fabricação, é sempre, em alguns aspectos, diferente, e mesmo o oposto, do interesse do público. Ampliar o mercado e reduzir a concorrência será sempre o interesse dos empresários. (…) O consumo é o único fim de toda a produção, o interesse do produtor deve ser atendido apenas na medida em que seja necessário promover o do consumidor. – Adam Smith
Diz-se que um homem enriquece em função do fato de obter um melhor proveito de seu trabalho, ou seja, por vender seus produtos por um preço mais alto. Ele vende por preço mais elevado na proporção da escassez desses produtos na praça. Conclui-se então que, pelo menos para ele, a escassez é enriquecedora. (…) O mesmo acontece com a abundância. Observa-se que, quando um produto existe em abundância, ele é vendido a preço baixo. Logo, o produtor ganha menos. Se todos os produtores estiverem neste caso, ficarão todos miseráveis. Conclui-se que é a abundância que arruína a sociedade. E como toda convicção deve ser traduzida em fatos, vêem-se, em muitos países, as leis dos homens lutarem contra a abundância das coisas. (…) [Mas] O homem produz para consumir. Ele é ao mesmo tempo produtor e consumidor. O raciocínio que expus mais acima só o considera sob o primeiro destes pontos de vista. Quanto ao segundo aspecto, seríamos levados a outra conclusão, totalmente oposta. Com efeito, poder-se-ia afirmar o seguinte: O consumidor torna-se tanto mais rico quanto mais ele compra todas as coisas a melhor preço. Ele compra coisas a melhor preço, na proporção em que elas se apresentem em abundância. Logo, a abundância o enriquece. (…) É uma imperfeita compreensão da noção de troca que produz essas ilusões. Se consultarmos nosso interesse pessoal, reconheceremos que ele é duplo. Como vendedores, estamos interessados na alta de preços e, conseqüentemente, na escassez de produtos. Como consumidores, estamos interessados nos preços baixos, ou, o que dá no mesmo, na abundância de produtos. Não podemos assim basear nosso raciocínio em um ou outro desses argumentos, antes de ter reconhecido qual dos dois coincide e se identifica com o interesse geral e permanente da espécie humana. (…) Visto que ambos esses interesses se contradizem, um deles deve necessariamente coincidir com o interesse social ou geral, e o outro lhe é antagônico. (…) Se o homem fosse um animal solitário, se trabalhasse exclusivamente para ele, se não trocasse, jamais a teoria da escassez teria sido introduzida no mundo. É por demais evidente que a abundância seria vantajosa para o homem, não importa de onde viesse, fosse ela resultante de sua indústria, de instrumentos engenhosos, de máquinas poderosas inventadas por ele mesmo, ou existisse graças à fertilidade do solo, à prodigalidade da natureza ou mesmo a uma misteriosa invasão de produtos que o mar traria de fora e os tornasse abundantes sobre nossas praias. [Portanto] Trate todas as questões econômicas desde o ponto de vista do consumidor, pois os interesses do consumidor são os interesses da humanidade. – Bastiat
Os benefícios de uma tarifa são visíveis. Os sindicalistas [e os empresários] podem ver que estão “protegidos”. O dano que uma tarifa faz é invisível. Está espalhado amplamente. Há pessoas que não têm empregos por causa de tarifas, mas nunca saberão disso. – Milton Friedman
Aqui podemos ver o caso de sucesso da Nova Zelândia, com ganho de produtividade sem subsídios ou proteção. Eis um trecho:
“A produção de leite na Nova Zelândia nem sempre foi tão sofisticada. Mas desde que um governo de livre mercado chegou ao poder em 1984 e essencialmente cancelou doações para os agricultores – algo que quase todos os outros governos consideraram política e economicamente impossível – a agricultura aqui nunca foi a mesma.
A comunidade agrícola ficou devastada, mas não por muito tempo. Hoje, a agricultura continua sendo a força vital da economia da Nova Zelândia. Há ainda mais ovelhas e vacas do que pessoas. Sua carne, leite e lã proporcionando ao país sua maior fonte de ganhos com a exportação. A maioria das fazendas ainda é de propriedade das famílias, mas suas rendas se recuperaram e a produção disparou.”
Em resumo, não só a Nova Zelândia não pratica dumping, como tem muito a ensinar aos brasileiros sobre como se livrar da “proteção” estatal. Quem quiser defender que esse protecionismo é um CUSTO que devemos pagar para atrair a bancada rural para votar a favor das reformas estruturais, tudo bem. É um ponto questionável, mas mais sincero e transparente. Mas quem tenta justificar que o protecionismo é bom, necessário, pois o Custo Brasil é muito elevado e não podemos retirar subsídios de uma hora para outra, melhor nunca repetir por aí que é liberal. Cola logo no Ciro Gomes e não venha manchar a reputação do liberalismo…
Rodrigo Constantino
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