“O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”, alertou Lord Acton. Os liberais e os conservadores sempre lutaram pelo limite do poder estatal justamente por compreender que ele tende a corromper, mesmo aqueles com boas intenções.
A premissa é a de “anjo caído”, ou seja, somos seres imperfeitos, falíveis e suscetíveis às paixões. E o mecanismo de incentivos não é o melhor quando se trata de estado. Por isso conservadores como Tolkien falaram em suas obras dessa tentação do poder, o anel que seduz e destrói, e que poucos são capazes de resistir.
Pensadores liberais como Benjamin Constant se mostraram mais preocupados em limitar a força do braço estatal do que com qual braço é usado, o esquerdo ou o direito. A ideia de que a “pessoa certa” vai chegar lá e usar todo o aparato para fazer o “bem” é, no mínimo, ingênua. Por isso liberais nunca toleraram culto à personalidade, ou a ideia de um “messias salvador”.
Bussunda era admirador de Lula, cuja narrativa criada e divulgada pela elite e imprensa seduziu muita gente romântica: o pobre operário que desafiou o regime militar e lutou por direitos e igualdade. Quando Bussunda foi visitar Lula, já eleito presidente, e viu a disputa para ver quem acenderia seu charuto, aquilo o incomodou, segundo relato de Guilherme Fiuza na biografia do humorista. Era o poder “corrompendo” o líder das massas.
Se o poder corrompe por si só e atrai todo tipo de oportunista, quando ele vem junto com uma bajulação popular pode ser fatal. O sujeito se sente o dono do mundo. “A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose; os admiradores corrompem”, disse Nelson Rodrigues. Se o líder poderoso se blindar contra as vaias, restarão somente os aduladores.
Adam Smith, em Teoria dos Sentimentos Morais, fez um alerta desse tipo: “Nas cortes de príncipes, nos salões dos grandes, onde sucesso e privilégios dependem, não da estima de inteligentes e bem informados iguais, mas do favor fantasioso e tolo de presunçosos e arrogantes superiores ignorantes; a adulação e falsidade muito frequentemente prevalecem sobre mérito e habilidades. Em tais círculos sociais, as habilidades em agradar são mais consideradas do que as habilidades em servir”.
Quando o mais importante na vida de alguém é agradar o poderoso governante, a primeira coisa a ser sacrificada será a sinceridade. E líderes que se deixam cair no autoengano podem se fechar numa bolha onde só aqueles mais “leais” podem entrar, ainda que seja uma lealdade fingida, dissimulada, como as filhas mais velhas do Rei Lear, na obra de Shakespeare.
“O mal de quase todos nós é que preferimos ser arruinados pelo elogio a ser salvos pela crítica”, disse Norman Vincent. O antídoto, Schopenhauer já havia dado: “Os amigos se dizem sinceros; os inimigos o são; sendo assim, deveríamos usar a censura destes para nosso autoconhecimento, como se fosse um remédio amargo”.
Bolsonaro recebe muitas críticas da imprensa, e há má-vontade, viés ideológico. Isso talvez tenha feito com que ele recusasse qualquer crítica, tomada como ataque vil e interessado de inimigos que torcem contra seu governo. O fato de ter levado uma facada quase fatal adicionou doses cavalares de paranoia, alimentada pelo filho Carlos, o que provavelmente fez com que se cercasse mais ainda de um núcleo duro e incapaz de critica-lo com sinceridade.
Há sinais, portanto, de que a arrogância do poder vem aumentando nesses meses de governo. Bolsonaro comprou briga com os militares, já chamou seu superministro Paulo Guedes de “chucro” e o outro superministro Sergio Moro de “ingênuo”, tem elevado o tom dos ataques aos adversários políticos de centro-direita, como João Doria (“ejaculação precoce”), e detonado a mídia como um todo. Isso sem falar de como lida com líderes globais.
“Dos 55 deputados do PSL, 45 foram eleitos por minha causa. Eu queria a legenda. Se eu quiser, eu saio”, teria dito Bolsonaro em conversa com jornalistas da Folha. Sobre a possível candidatura de Joice Hasselmann à Prefeitura de SP, o presidente afirmou que a deputada tem “um pé em cada canoa”, referindo-se à proximidade dela com Doria.
Kim Kataguiri, do MBL, constatou: “Presidente da República atacando a própria líder do governo. Depois é o MBL que ‘divide a direita'”. Se Bolsonaro não confia nem nos militares mais próximos, alguns que nutriram amizade com ele por décadas, se desconfia da líder do governo na Câmara, se trata com certo desprezo seus principais ministros e com desdém o seu partido, então em quem ele confia?
Quando respondemos essa pergunta, fica mais fácil entender o crescente radicalismo de suas falas. Bolsonaro está cercado por seus filhos e seus aliados próximos, a maioria formada por olavistas que já simpatizam com teorias conspiratórias e adotam postura de guerra tribal contra tudo e todos que não compactuam do mesmo grupo. Esse tem sido o tom do presidente, deixando-se levar pela arrogância do poder, pela paranoia, pela bajulação dos que o tratam como “mito”.
Mas, como nos ensina a História, esse caminho nunca dá certo. Percebendo essa rota perigosa e preocupante, cada vez mais gente pula fora do barco do bolsonarismo, e já é possível falar até em oposição de centro-direita. Representantes da Lava Jato passaram a atacar o presidente, ícones da direita como Lobão e Danilo Gentili se tornaram alvos dos bolsonaristas, o MBL e o Partido Novo também, o site O Antagonista passou a ser metralhado, o “centrão” é demonizado etc.
Vai restando ao lado de Bolsonaro aquela base militante mais fanática, o que tende a afastar ainda mais os moderados, e a alimentar a paranoia do presidente. Nem mesmo transmitir para seu vice-presidente Mourão o cargo durante uns dias para realizar cirurgia Bolsonaro quis. É uma situação que parece insustentável. Como governar um país grande e complexo como o Brasil desse jeito?
Rodrigo Constantino
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