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Por Sergio Renato de Mello, publicado pelo Instituto Liberal

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Em primeiro lugar, apresentando o autor citado no título, para quem ainda não conhece Theodore Dalrymple é o pseudônimo para Anthony Daniels, ele é médico psiquiatra britânico que trabalha com pacientes mais do que especiais: são detentos que atende nos países para onde viaja, na África e na região inglesa. Suas reflexões são mais do que realistas em termos de natureza humana. Quem lê, ao menos, os títulos de suas obras (a título de exemplo, Em defesa do preconceito) fica horrorizado, pois nem de longe Dalrymple está no mercado editorial, e com sucesso, inclusive no Brasil, para atender à sombra politicamente correta que, como seus pacientes, também vive doente e precisa de remédios para a alma e para o espírito. Só para se ter uma ideia, diz ele, e com razão, que a pior pobreza é a da alma.

Nesse título, Theodore Dalrymple retrata a vida desmoralizada de pessoas que passaram a viver em casebres oferecidos pelo Estado de Bem-estar Social. Conta-nos que, apesar da casa cedida pelo governo, nem de longe essas pessoas conseguiram se livrar de suas mazelas psíquicas e dar um passo à frente na retomada de dignidade. Muito pelo contrário, a vida dessas pessoas “beneficiadas” piorou com o empurrãozinho dado pelo Estado paternista. Termina essa parte de sua obra afirmando que existe uma relação dialética: os chiqueiros fazem os porcos e os porcos fazem os chiqueiros.

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Eu também trabalho diariamente com presos e detentos do sistema carcerário brasileiro, aqui em Santa Catarina, e vejo de perto as mazelas humanas do sistema carcerário. Logicamente que a diferença entre meu local e o dele não faz a mínima importância, porque os seres humanos demonstram comportamentos muito semelhantes. Só não faço tratamento e medico como o Dr. Theodore Dalrymple, mas cuido dos direitos na execução da pena, principalmente certo cuidado para que não venham reincidir e a sociedade não continue convivendo com delinquentes. E já adianto que, cem por cento pobres, da chamada sub-classe pelo Dr. Theodore Dalrymple, eles não entram no crime porque são pobres no sentido material. Essa nem de longe é a causa.

Os presos se defendem e fazem de tudo para se livrar dos malefícios da pena criminal, visando excluí-los de sua responsabilidade pessoal e direta (família sem afeto, sem teto, em desarmonia, na miséria, etc.). A cor de pele ou raça, principalmente negra, também são fatores comumente invocados. A sociedade constantemente também leva a culpa, assim como as amizades, as drogas, as más companhias, o sistema, o próprio Estado, o governo, o juiz, etc. e etc. Dificilmente algum desses detentos se assume como o causador de sua dor pessoal. Alguns reconhecem isso, mas a grande e esmagadora maioria quer sair de fininho da pena e de suas consequências (perda de liberdade e de dignidade).

Por outro lado, virou moda xingar o sistema carcerário brasileiro. De fato, há inúmeros casos de corrupção que o faz parecer viciado e vicioso. Além disso, fede muito, é apertado demais para juntos conviverem humanos, ratos e baratas. Isso é uma grande verdade. E quem está nele cumprindo pena só com muito esforço pessoal sai das facções criminosas e ganha a liberdade para sempre. É uma força tão grande para mantê-los nessa prisão (física e espiritual) que só com muito poder de fé e sacrifício mental eles conseguem enxergar uma outra cosmovisão. Tanto isso é verdade que o Supremo Tribunal Federal chegou a declarar o estado de coisas inconstitucional, decidindo que o Poder Público cumpra as leis em benefício de estabelecimentos penais dignos.

Pois bem. Dito isso, passo a dizer que tanto os detentos e pobres de espírito de Theodore Dalrymple quanto os meus são muito semelhantes. Além disso, os casebres onde cumprem pena são verdadeiros chiqueiros. Ambos merecem a mesma proteção e tratamento, para que venham conhecer a realidade em que se encontram e alguma saída. Ora, a dignidade humana dos detentos implica potencializar o pensamento reflexivo e de autodeterminação. Continuar com essa realidade romântica e sentimental é avivar a inveja e o ressentimento que todo ser humano possui dentro de si. A lógica é uma só: ninguém gosta de se sentir injustiçado. Muitos representantes do Estado aproveitam esse estado mental anormal e jogam uns contra os outros.

Ou seja, essas pessoas da chamada sub-classe (vou continuar usando a expressão cunhada por Theodore Dalrymple) precisam saber que são capazes de criarem, por conta própria, um mundo diferente. A responsabilidade pessoal e direta por tudo que cometeram é uma condição direta de ressocialização. Elas precisam saber que a maior causa de suas prisões não é a pobreza material, e sim do espírito. É preciso dar um basta nesse comportamento autodestrutivo.

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A par desse sentimento de vitimização, o Estado de Bem-estar Social, a bem da verdade, é que coopera mais ainda com dor e sofrimento, agravando a situação de penúria. Todos queremos certo bem-estar sem compromissos e responsabilidades, o bônus sem o ônus. Mas isso é impossível sem luta e sacrifícios pessoais. A história e a natureza humana confirmam que a intervenção estatal só complicou e trouxe acomodação aos indivíduos.

Temos muitos exemplos de pessoas que saíram da miséria onde estavam e deram a volta por cima, apesar da grave e caótica situação em que estavam em termos materiais e, sobretudo, pela desesperança psicológica. Deram a volta por cima porque perceberam de que são indivíduos portadores de uma grande capacidade de reinventar a vida, acreditando em si mesmos como pessoas capazes e responsáveis.