O presidente Trump anunciou “emergência nacional” para poder construir o muro na fronteira com o México. Ele sabia que um novo shutdown do governo para pressionar os democratas seria impopular e poderia se voltar contra ele na campanha de reeleição em 2020. Ao mesmo tempo, a construção do muro é uma promessa de campanha. Para driblar o impasse, Trump resolveu partir para a solução atômica.
Mas a construção do muro é mesmo uma emergência nacional? Compartilho da visão de Ben Shapiro aqui, e a resposta mais curta e direta é não. A entrada de imigrantes ilegais e o tráfico de drogas são problemas gravíssimos, sem dúvida, e o fato de os democratas não darem bola para eles é um dos fatores responsáveis por sua derrota em 2016. O shutdown serviu politicamente para expor bem essa postura.
Mas o problema, ainda que grave, não é emergencial, no sentido que o termo exige para justificar uma medida arbitrária do Executivo. Não há nada que represente perigo iminente lá. Não há uma crise nova, aguda, um fato significativo qualquer. Ao contrário: tudo segue mais ou menos na mesma, ou seja, fronteiras porosas permitindo a entrada de milhares de ilegais todo ano.
É, portanto, um longo processo de inatividade do Congresso e de negligência dos governos anteriores. Mas isso não deveria justificar um ato de cima para baixo do governo federal, creio. E digo isso mesmo aprovando a construção do muro, mesmo entendendo que é, sim, uma necessidade. Meu lado liberal, meus princípios de divisão de poder e subsidiariedade, minha rejeição à concentração decisória no governo federal, tudo isso me leva a condenar a decisão de Trump.
Hoje o mecanismo é usado para algo importante e desejável, mas e amanhã? E se um Obama da vida estiver no poder? E se uma Alexandria Ocasio-Cortez, Deus livre a América!, for presidente? Vamos achar bom o Executivo ter tanto poder assim para decretar emergência nacional e fazer o que bem entender, mesmo sem apoio do Congresso? Isso abre precedente perigoso e antiliberal.
Lord Acton dizia que a liberdade sempre contou com poucos amigos sinceros. O que ele queria dizer é que a maioria se deixa guiar por interesses, não princípios. Benjamin Constant temia o poder da arma, não em que braço ela estaria, se no direito ou no esquerdo.
Quando fazemos vista grossa para abusos de poder porque quem o usa está do nosso lado ou fazendo algo que aplaudimos, perdemos o direito de criticar quando o adversário lança mão do mesmo artifício para uma agenda contrária. Quero o muro, mas não acho certo construi-lo dessa forma, por decreto presidencial, como se fosse um caso de emergência nacional mesmo.
Rodrigo Constantino
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS