Antes de mais nada, um comentário inicial: há muitos liberais e conservadores descrentes na democracia, pois acreditam que ela, especialmente na era moderna e voltada para as massas, leva inexoravelmente ao populismo. A democracia seria, então, o “Deus que falhou”. Claro que outros tantos liberais e conservadores sabem disso tudo, mas simplesmente entendem que não há alternativa melhor. A democracia seria um meio pacífico para se eliminar erros grosseiros, não uma fórmula mágica para se obter resultados incríveis.
Essa reflexão mais abstrata vem à mente quando vemos os dois candidatos que disputam as eleições americanas. Uma grande nação, uma potência mundial, um dos países mais ricos do planeta, com incrível quantidade de gênios, de líderes impressionantes, e a escolha do povo americano se resumirá a Hillary Clinton, uma mentirosa contumaz e cínica como uma petista, e Donald Trump, um empresário bufão e narcisista, que gosta de repetir slogans simplistas e jogar para a plateia. É um momento sem dúvida triste para a democracia americana, aquela que chegou a encantar Tocqueville.
Dito isso, tenho abertamente defendido Trump aqui, em vários textos. Não pelos seus méritos, mas mais pelos deméritos de sua adversária. Clinton representa tudo aquilo que deve mudar na política americana, o establishment poderoso que fala em nome dos pobres, mas adota políticas que os prejudicam, um casal que está na vida pública há décadas, no poder, e que amealhou uma verdadeira fortuna, dezenas de milhões de dólares, com “palestras” e doações para sua fundação, ou seja, são ícones do “capitalismo de compadres” que todo liberal deve repudiar.
Hillary mente o tempo todo. É só o que sabe fazer. É ambiciosa demais, no mau sentido da palavra. Parece disposta a “fazer o diabo” pelo poder. Defende os valores errados, teve na juventude como guru um radical socialista (Saul Alinksy), e jamais rejeitou suas teses depois de mais velha. É ainda mais radical do que Obama nesse sentido. Apela para a “marcha das minorias” o tempo todo, recebe verbas de Wall Street enquanto banca a durona com os banqueiros. Diz o que precisa ser dito para ser eleita, e depois faz o oposto.
É disso que todos estão cansados. Das mentiras de Washington, do politicamente correto, do intervencionismo crescente do estado em nossas vidas. E Trump, com todos os seus inúmeros defeitos, veio para abalar esse sistema, como alguém de fora dele, que fala as coisas de uma forma mais franca, que não tem tantas papas na língua. E isso ficou bem claro no debate deste domingo, em que ele passou o trator em cima da oponente, sem dó nem piedade, como muitos gostariam de ver.
Claro que Hillary, hipócrita ao extremo, traria a questão de uma gravação de 11 anos atrás em que Trump, em um “papo de vestiário” com outro homem, diz grosserias sobre as mulheres. O que ela talvez não esperasse, pois há um acordo tácito entre políticos profissionais para não ir tão longe, é uma resposta à altura. Se no primeiro debate Trump ficou calado sobre isso, dessa vez ele trouxe tudo à tona, o marido “predador” de Hillary, que cometeu assédio sexual dentro da Casa Branca enquanto era presidente, sua cumplicidade, a defesa que fez no passado, como advogada, de um estuprador, em que desmoralizou a vítima do estupro e riu dela.
Enquanto Hillary era massacrada com os fatos, com a verdade, ela apenas ria, com uma máscara artificial colocada em sua cara de pau. Nem os moderadores, claramente de esquerda e do lado de Clinton, foram capazes de reduzir o estrago, de evitar a humilhação. Ter que aturar calado a inversão da esquerda, que de repente banca a moralista e a feminista para repudiar as falas grosseiras de Trump, enquanto nada diz sobre os atos machistas de Bill Clinton, é missão impossível. E ainda bem que Trump não se conteve, pois o público tinha o direito de ver a máscara de Hillary cair. E caiu. Ela foi finalmente desmascarada na frente de milhões de pessoas, sem a mídia ter como protegê-la.
Esse foi o ponto alto na largada do “debate” (massacre), mas houve outro ainda mais incrível. Enquanto Hillary posava de “presidenciável”, e Trump, de forma incontrolável, interrompia a adversária em excesso, teve ao menos um momento em que essa tática funcionou. Hillary disse que era muito bom alguém com o “temperamento” de Trump não estar no comando das leis americanas, e Trump não titubeou: “porque você estaria presa”. Apesar da recomendação para não se expressar, a plateia não aguentou e foi ao delírio:
Não é fácil defender Trump. Tanto que muitos conservadores tradicionais pularam fora, abandonaram o barco. Mas julgo mais difícil ainda defender Hillary. Como disse Thomas Sowell, se Trump representa riscos potencialmente fatais, Hillary representa a desgraça certa. É mais do mesmo, piorado, ou seja, mais estado, menos liberdade, mais corrupção entre grandes empresas e governo, mais degradação de valores morais, mais incompetência na geopolítica (o Irã e o ISIS agradecem).
Quando os liberais clássicos e os conservadores de boa estirpe tomam o partido de Trump, não o fazem por considerá-lo o máximo, um excelente candidato, nada disso; e sim porque sabem que a alternativa é ainda pior. Como resumiu Leandro Ruschel:
É impressionante como a mídia americana dá destaque a uma gravação privada de Trump, por mais deplorável que ela seja, falando sobre os seus avanços sexuais utilizando linguagem e atitudes desrespeitosa com as mulheres anos atrás. Por outro lado, Hillary numa gravação dá risadas sobre um caso onde ela defendeu o estuprador de uma menina de 12 anos, sabendo que ele era culpado, conseguindo a sua absolvição. O que seria mais grave? Quem é mais desrespeitoso com as mulheres? Na verdade nenhum deles deveria ser presidente, mas entre um bilionário ególatra e babacão que defende uma boa parte da agenda conservadora e uma socialista criminosa, fico com a primeira opção sem piscar.
É lamentável que uma nação como os Estados Unidos chegue a esse patamar. Um país que teve estadistas como George Washington, Thomas Jefferson, John Adams, para falar dos “pais fundadores”, e depois Lincoln, JFK e Reagan, não deveria ter de escolher entre Trump e Hillary. Mas é o que temos para o jantar. É o que restou de opção. É o que a democracia de massas trouxe no cardápio.
E uma vez que é necessário escolher, a minha escolha está dada: o empreendedor que construiu sua fortuna no mercado, não a política profissional que fez a sua fortuna na própria política, com mentiras e concentração de poder. E com isso em mente, o “debate” de ontem só pode ser comemorado. Trump fez picadinho de Hillary, e não teve “moderador” parcial capaz de salvá-la…
Rodrigo Constantino
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