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Uber x taxistas: uma terceira via

Por Flavio Morgenstern, publicado no Instituto Liberal

A esta altura é consabida a sublevação que o aplicativo de caronas pagas Uber causou no Brasil, com tentativas de proibição de seu uso por lei, greves de taxistas e mesmo motins e ataques físicos a carros que usem do sistema Uber.

Em certo momento, provando que o Brasil não poderia estar melhor, atingimos níveis austríacos de qualidade de vida e não temos muito mais com que nos preocupar; sobretudo em matéria de criminalidade, a polícia resolveu usar a paisana o aplicativo Uber para flagrar motoristas que estejam descumprindo a proibição.

A quizomba se refletiu no Brasil e no mundo. De Paris ao Rio de Janeiro, taxistas fizeram greve em protesto contra o Uber. Os usuários, que não tinham como usar taxi, foram praticamente “obrigados” a… usar o Uber. Mesmo os que não conheciam o aplicativo.

O Uber, que parecia quase um mimo para uns poucos eleitos, de repente esteve no centro do noticiário. Em resposta à greve, ofereceu corridas gratuitas aos usuários. E até distribuiu picolés em SP e no RJ em meio ao protesto. Resultado: o número diário de usuários do Uber cresceu 20 vezes (sic).

Em meu livro, “Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs, as manifestações que tomaram as ruas do Brasil”, analiso a diferença entre greves e movimentos de massa (e como a primeira pode gerar os segundos) com os conceitos do grande pensador Elias Canneti, em seu primoroso “Massa e Poder”.

Canetti percebe que greves são massas de proibição. Um impedimento forçado de permissão de que outros trabalhem. Sua dialética é causar um prejuízo tanto para patrões quanto para empregados, forçando a que ambos cheguem a uma negociação favorável a estes últimos. Assim, trabalhadores que não queiram aderir à greve são proibidos pela força de trabalhar, ou a greve não logra êxito (os patrões poderiam simplesmente substituir apenas os grevistas).

Greves, no mundo inteiro exceto no Brasil, funcionam abdicando-se dos salários de uma empresa. Por isto, apenas trabalhadores de grandes conglomerados fazem greve, e não os pequenos trabalhadores autônomos, que fazem seu salário conforme seu trabalho, num quase misto de patrão e trabalhador. Não existe greve de vendedores de pastel, de jornaleiros, de escritores. Agora, inventamos a greve de taxistas.

Tal se dá por uma dinâmica um pouco mais complexa do que a mera análise econômica. Pelas leis da economia (tão sólidas quanto as leis da Física, que não serão trocadas trocando-se de sistema econômico), o serviço mais barato e/ou com mais qualidade será mais desejado pelos usuários e pronto. Não há como fugir disso.

O Uber é 20% mais barato do que os táxis. Oferece carros mais modernos, motoristas sempre vestidos de social, controle de qualidade pelo usuário (motoristas mal avaliados não conseguem novos clientes, o que também é uma lei da economia da qual se tenta fugir politicamente) e alguns extras, como poder escolher a música que se vai ouvir pelo celular. Naturalmente, é mais desejado conforme é conhecido.

Pela economia, o Uber deve ser aprovado – ainda mais porque a opção de proibi-lo é apenas para proteger um serviço pior, o dos velhos taxis.

Todavia, esta disputa forjada entre um e outro também recai infelizmente no coletivismo, como se todos os taxistas fossem funcionários de um sindicato tentando fazer protecionismo através da força política. A retórica entre taxistas e motoristas e usuários do Uber parece ter aumentando a violência até das discussões eleitorais.

Ora, não existe uma categoria de pessoas chamadas “os taxistas” com características em comum além de serem humanos e motoristas de taxi. Não há como jogar o jogo de prejudicá-los a passar a odiar taxistas tão somente porque se prefere o Uber.

Sobretudo porque este jogo de divisão e ódio entre “classes” é justamente o que o governo quer. É um jogo forjado por eles.

Como já vimos por aqui, a visão progressista ensinada nas escolas desde o ensino médio e potencializada na Universidade é dividir seres humanos individuais em “classes” sociais, ou raciais ou com qualquer divisão arbitráriaad hoc para fomentar ódio entre elas.

Se Karl Marx tinha uma superstição numa “luta de classes” como “motor da história”, o marxismo da Escola de Frankfurt, Foucault, Deleuze, Sartre, Gramsci e, sobretudo, Laclau e Negri, pensa em forçar uma luta para se ganhar poder – não exigindo então uma revolução, e sim uma gradual estatização.

Quando duas “classes” estão em disputa (mesmo que sejam tão arbitrárias quanto “taxistas” e “defensores do Uber”), pessoas normais tentam analisar os argumentos de um lado e outro (o que geraria uma vitória esmagadora para o Uber, como os números mostram).

Já a visão progressista, que passou os últimos 30 anos conquistando hegemonia no país, tenta enxergar apenas quem tem “mais poder” contra quem tem “menos poder” (definindo-se também malemolentemente tal conceito), e defende-se, então, o “oprimido”. Neste caso, não importa quanto o serviço do Uber seja superior, defender-se-á os taxistas.

Ora, criticar “os taxistas” (como um todo homogêneo e malévolo) é justamente o que o governo quer que uma parcela da população faça – para então não apenas defender os taxistas, como imputar todas as pechas negativas nesta mesma parcela da população.

Numa visão hegemônica, ou seja, que não “pega” apenas entre os militantes, o discurso pode pegar, categorizando todos os membros da classe “defensores do Uber” como opressores, malvados, nazistas e aquela papagaiada toda.

A solução de sempre que o governo apresentará será, claro, estatizar mais a economia do transporte, proteger um nicho e fazer mancomunações com o sindicato dos taxistas (que protege a si próprio, e não aos taxistas dos quais se outorga defensor). Ganha o governo.

Os taxistas, afinal, como um dos mais claros exemplos de profissionais liberais, deveriam ser mais bem entendidos como indivíduos. Há os bons, os ruins. Todos têm defeitos, quase todos têm qualidades. Não podem ser amacetados em uma categoria homogênea.

O que os liberais sabem sobre o mercado não é que ele é perfeito, e sim que, não sendo um monopólio (como os serviços estatais), pode-se sempre escolher o menos pior, forçando todo o sistema a ir melhorando.

Uma sociedade liberal gerou a qualidade de vida da Suíça ou do Canadá. Uma sociedade de monopólios e sindicatos gerou qualidades de vida como dos cartéis mexicanos ou o colapso grego.

Todos os taxistas tiveram de enfrentar toda a burocracia da regulamentação econômica imposta no Brasil, que impede a qualidade de vida suíça ou canadense, nos mantendo sempre em crises criadas pela social-democracia e sua estatização e cartelização. A culpa não é dos taxistas: fora os que caem na logorréia dos sindicatos, eles são vítimas disto.

Pagam impostos, são obrigados a pagar a “contribuição” sindical (paradoxalmente compulsória), sofrem para se regulamentar e finalmente poder oferecer seu serviço. E embora alguns sejam ruins, outros são muito bons no que fazem.

Os defensores do Uber, ao invés de cair na jogada dos sindicatos, do governo e da retórica que será usada no jornalismo para descrever a disputa, não devem e não podem “atacar” os taxistas, caindo no velho “dividir para conquistar” que é método para aumentar o poder estatal há mais de um século.

Pelo contrário. Devem mesmo fazer o exato oposto: lutar pela desregulamentação dos profissionais do taxi para que tenham tecnologias e capacidade de mais ganhos oferecendo serviços mais baratos (esta obviedade tão difícil de ser entendida pela esquerda) assim como os usuários do Uber.

É isso o que falta no momento: apoiar taxistas para que se tornem motoristas do Uber. Nós ganharemos com um serviço melhor e mais barato, os taxistas terão mais dinheiro no bolso. Quem perderá são apenas os sindicatos. A máfia do monopólio e do cartel.

Os transportes, 2013 já mostrou (confiram no meu livro), são o verdadeiro voto de Minerva definidor de eleições municipais em grandes cidades há uma década. Isto tudo é muito bem calculado, ao contrário do que se pensa.

Dividir as pessoas por causa de transporte gera bons argumentos, mas a visão de fora não liga para argumentos, e sim para supostas discrepâncias de poder. Cair na jogada e atacar os taxistas para defender o Uber (quando se pode fazer os dois) é o pior a ser feito agora.

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