Há pensadores que defendem um “tropicalismo utópico”, uma mistura original do jeitinho descolado e meio indígena do brasileiro com o consumismo e a produtividade eficiente dos americanos. É que, segundo alegam, o modelo consumista americano também fracassou. Não se sabe bem o que deu certo então. Talvez o Brasil, que deveria dar aulas de estilo de vida ao mundo, segundo o italiano Domenico Di Masi, que, porém, prefere continuar morando na Europa.
Mas foi pensando nisso, nos “trópicos utópicos”, que fui fazer umas comprinhas básicas hoje no templo do consumismo. Não fui ao Sawgrass Mills, paraíso dos brasileiros consumistas, desesperados com os preços dos produtos em nosso país. Fui ao Costco, que vende mais no atacado, que atrai a classe média americana (e os Estados Unidos são basicamente um país de classe média). Assim que as faxineiras chegaram para a limpeza pesada da semana, saí de casa. E me deparei com o carro delas na minha porta:
Isso mesmo. Um Nissan Murano, carro de luxo no Brasil, coisa de “bacana”, como diria Ancelmo Gois. Nos Estados Unidos é carro que a faxineira pode ter tranquilamente. Deve ser terrível viver num país frio e movido pelo consumo, sem o lado descolado dos brasileiros, sem o estado para proteger as empregadas domésticas com leis rigorosas (que aumentam o desemprego). O carro delas, diga-se de passagem, é do mesmo patamar dos meus, sem tirar nem por:
E “intelectual” brasileiro gosta de falar em igualdade. Coitado do jeca que achar que pode tirar onda com carro nos States. Hello? Qualquer um pode ter um carro decente por aqui. Os meus são carrinhos de classe média. Um Jeep desses novinho em folha custa $25 mil, ou seja, em torno de R$ 80 mil, sendo que a renda per capita é bem maior aqui, cinco vezes a nossa, e ainda há o leasing, a uma taxa de juros baixinha. Com $300 mensais o sujeito pode ter uma Mercedes na garagem.
Ninguém fica olhando para os lados no semáforo, primeiro porque ninguém tem medo de assaltante, segundo porque cada um cuida da sua própria vida, e a ostentação brega pode até existir (existe em todo lugar), mas em escala bem menor (e o malandro vai ter que comprar um Hummer cor de rosa com luz de neon para chamar a atenção dos demais).
Mas continuemos na minha cruzada consumista. Cheguei ao Costco, e antes de mais nada, que tal abastecer o carro? Preço da gasolina, que é de qualidade bem superior a nossa: $ 2.11. Caro, o leitor dirá. Calma: por galão! Como um galão tem 3,8 litros aproximadamente, estamos falando de R$ 1,83 por litro, ao câmbio de R$ 3,30. Nada mal abastecer o carro num país consumista, não é mesmo?
Entro no Costco. A faxineira não tem aquele carrão à toa: ele é muito mais barato aqui, mas ela também ganha muito mais ($120 por umas 3 horas de trabalho). É caro pagar por esse luxo, mesmo uma vez por semana. Minha ideia era reduzir para duas vezes por mês apenas. Por sorte minha, moro num país consumista e, portanto, tudo é prático, feito para ajudar a vida da família de classe média trabalhadora. O capitalismo consumista tem dessas coisas, e eis a promoção que encontrei: um moderno Roomba, o robozinho que faz a faxina pesada por você, por apenas $400. Comprei o bicho, claro:
O robô sai da toca sozinho, programado, limpa o chão todo, passa pano, reconhece obstáculos, não cai da escada, e depois do trabalho pesado retorna para a toca (sem reclamar). Quando você chega em casa depois de um dia cansativo de trabalho, o chão está limpinho. O capitalismo consumista é muito cruel: dificulta a vida das faxineiras ao oferecer produtos com tecnologia moderna a preços tão acessíveis. Quanto custaria um troço desses no Brasil se fosse vendido aí? Assumindo que um iPhone 6S custa mais ou menos o dobro no Brasil, podemos até imaginar…
Além do chão, é preciso lavar a louça. É o meu departamento, pois sou um reacionário machista numa família patriarcal. Coloco tudo na máquina e depois a ligo. Para tanto, preciso daquele tablete de sabão. Sabem quanto custa no Costco? Pouco mais de $3. Caro! Calma, rapaz. Uma caixa com mais de cem unidades! Isso mesmo:
Minha mulher não acreditou no preço. Teve que checar na nota para ver se não houve algum engano. Mas foi isso mesmo. Não é terrível viver na pátria do consumismo? Mas como nem tudo é consumo, também é importante malhar, praticar exercícios, até para queimar as calorias do consumo das tentadoras guloseimas. Eu gosto de correr. E como sinto muita sede, bebo um Gatorade. Quer mesmo saber o preço dele aqui? Então tá, você pediu: $ 15,80. Como assim? Calma, pô! A essa altura já devia ter entendido que falamos em grandes quantidades. No caso, 35 garrafas:
O leitor fez as contas? Isso dá menos de R$ 1,50 por garrafa de Gatorade. Somos muito materialistas aqui. Falta essa ginga, essa malandragem, esse estilo descolado de um Caetano. É isso! Os americanos precisam “caetanear” mais. Quem sabe assim não votariam numa Marina Silva da vida para presidente, ou num Marcelo Freixo socialista para prefeito?
Alguns podem achar que é sacanagem esfregar isso tudo na cara de quem é refém do estado no Brasil, de quem não consegue sair para a civilização consumista e fica preso no tropicalismo utópico. Mas eis a importância desse tipo de texto: mostrar como o brasileiro, que se acha muito malandro, é no fundo um otário que ainda cai na conversa fiada dessa turma. Tropicalismo utópico? Fala sério! Derrubar esse tipo de falácia, inclusive com comparações como estas e mais profundidade teórica, é o que faço no meu novo livro, que será lançado em julho no Brasil:
Os nossos “intelectuais’ adoram o “bom selvagem” de Rousseau, e por isso enaltecem os indiozinhos, nosso estilo mais “primitivo”, mais descolado. É preciso ter mais “emoção” do que “razão”, fugir desse materialismo consumista dos ianques. Só tem um problema: o brasileiro também é bastante consumista (principalmente essa elite “descolada”), só que precisa gastar muito mais para ter as mesmas coisas, e depois ainda corre constante risco de assalto. Para piorar, aquele que foi bem-sucedido precisa aturar a inveja dos coletivistas igualitários, já que o sucesso individual é tido como pecado mortal por aí.
Não é fácil ser trabalhador de classe média no Brasil. Pior ainda ser faxineira pobre, que sequer terá um carro, muito menos um Murano novinho. Já quando se é um “intelectual” com viés de esquerda ou um artista engajado que defende o tropicalismo, aí é mais tranquilo. Até porque eles sempre podem pegar um avião e vir para cá, no templo do consumismo, encher as malas com produtos mais baratos e economizar uma fortuna, apenas para retornar depois e enaltecer as “maravilhas” do estilo de vida “original” dos brasileirinhos…
Rodrigo Constantino
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