Ao menos um dos meus 14 leitores deve ter notado que praticamente sumi no fim de semana, sem postar muita coisa na minha página do Facebook ou no blog (o que não é de praxe, já que raramente desligo). É que estava com a filha na Universal, em Orlando. Troquei Chesterton por Hulk, Dalrymple por King Kong, e Scruton por Harry Potter.
Mas como a cabeça não para de funcionar, mesmo submetido aos mais variados estímulos frenéticos, fiquei refletindo sobre tudo aquilo. O que significa aquela gente toda encarando horas de filas para curtir alguns brinquedos? Será isso que desperta tanto desprezo pela América nos “intelectuais” franceses, que preferem coçar o queixo simulando perplexidade diante de uma tela preta?
Sim, é claro que tudo ali é fuga da realidade, é fantasia, magia, diversão, alienação. Mas como não admirar o quão bem feito é esse mundo de fantasia? A começar pelo clima de alto astral, pelo bom humor dos funcionários, pela empolgação contagiante das crianças, encantadas com o que veem.
A organização de primeiro mundo, a segurança, a alta tecnologia presente em alguns brinquedos, que transportam o consumidor para um mundo paralelo, isso tudo não é fantástico? Eu, por exemplo, juro que vi o King Kong lutando com um dinossauro bem ao meu lado, e ainda sentia o jipe tremendo a cada pancada perto da gente. Até “saliva” voou na minha cara. Não é incrível? Quantos milhões de dólares foram investidos só nesse brinquedo?
Os parques de Orlando são uma ode ao capitalismo. Sim, pois só mesmo com foco no lucro um mundo paralelo desses poderia funcionar tão bem! E só com livre concorrência para um parque tentar ser melhor do que o outro, fazendo os clientes se sentirem ainda mais fascinados diante do que parece impossível de existir.
Observar aquelas pessoas todas aproveitando o dia daquela forma e só enxergar alienação talvez seja a maior prova de alienação intelectual. Famílias de classe média unidas, o brilho no olho das crianças, inúmeros adolescentes vestindo-se a caráter com a capa e a varinha do Harry Potter, cada detalhe pensado para iludir, um trem exatamente igual ao do filme que nos leva de um parque a outro, o castelo com os personagens “reais”, que estão ali, falando com a gente, tudo isso é simplesmente incrível, e existe graças ao capitalismo.
A experiência no socialismo é diferente: as crianças vão para gulags ou paredons, quando não têm a “sorte” de simplesmente cortar cana em trabalho forçado. Se essas fantasias capitalistas são “alienação” para as massas, então Raymond Aron acertou em cheio: o marxismo é o ópio dos intelectuais. E o “ópio” da Universal ou da Disney é bem melhor!
Os socialistas, quando precisam votar com os pés, concordam. Senão esses artistas engajados do Projaquistão não levariam seus filhos para os mesmos parques, e sim para conhecer Cuba. Mas eles sabem o que é melhor. Eles também procuram essa “alienação” capitalista, para ver o encanto no rosto dos filhos, para vibrar com a empolgação dos rebentos.
E nada impede, claro, que o sujeito desligue o modo fantasia após o domingo e mergulhe em filosofia, uma fantasia mais elaborada. Não há nada que diga que um tipo de “fuga” seja irreconciliável com o outro, que sejam excludentes. É perfeitamente possível sair da montanha-russa do Hulk e logo depois abrir um livro do Chesterton, ou ir ao Louvre ver os quadros clássicos (mil vezes melhor do que as “instalações” modernas).
Já passei dos 40 e confesso: aquilo tudo me dá uma canseira danada. Mas eu mesmo volto a ser criança ali, o que é bom (triste é bancar o jovem no dia a dia, como os “adultescentes” que fomentam a rebeldia e o hedonismo irresponsável na garotada para se sentirem “colegas” e “gurus” da rapaziada). E melhor ainda é ver a felicidade da filha. O pequeno ainda fará com que eu volte muitas e muitas vezes aos parques de Orlando. Uma hora de fila para ver os Minions vai ser dose, claro. Mas quando o moleque abrir aquele sorriso, tudo estará justificado, mais do que recompensado. Obrigado, capitalismo!
E após essas reflexões mais filosóficas, é hora de mergulhar em outra fuga, em mais uma alienação, e ver o novo filme do “Star Wars”. Já soube que tem até uma mensagem meio anticapitalista, se a turma não interpretou errado. Tudo bem. Faz parte. Só mesmo no capitalismo podemos ver essas incríveis produções, focadas no lucro, que ainda por cima criticam o próprio lucro e o sistema que permitiu sua existência. Todos sabemos que existem filhos ingratos no mundo…
PS: Não importa se você é latino, negro, asiático, se é gay, trans ou macho, se é de esquerda ou de direita, se gosta de Obama ou do Trump, pois todos serão tratados com o mesmo respeito de cliente ali, e o cliente, no capitalismo, tem sempre razão. Não há espaço para a “marcha das minorias oprimidas” ou para o racismo e o preconceito num ambiente desses. Há, isso sim, igualdade perante a lei, e a lei é basicamente uma só: o cliente precisa se divertir!
Rodrigo Constantino
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