
Por Pedro Henrique Alves, publicado pelo Instituto Liberal
A ponderação na análise política é, com certeza, uma virtude rara em nossos dias, uma das premissas que tento sempre propor em meus textos. Se por vezes o tom de meus artigos apreciativos parece apaixonado, não raro as críticas — muitas vezes às pessoas que antes eu elogiei — carregam o mesmo afinco e virilidade depreciativa. Elogiei Temer quando julguei ter ele acertado, e o critiquei quando ele errou; o mesmo com Bolsonaro, Olavo de Carvalho e demais políticos e intelectuais avaliados nesses anos de escrita. Com esse mesmo espírito quero tecer minhas impressões e análises da sabatina de Jair Bolsonaro no dia 28/08 no Jornal Nacional, conduzido por William Bonner e Renata Vasconcelos, assim como toda ação política do candidato até os dias atuais.
Uma introdução ao vexame na Globo:
Façamos então uma visão panorâmica do que foi o debate, e utilizemos tal visão como introdução à análise mais profunda que faremos a seguir. Na entrevista, ficou claro que Bonner e Renata resolveram atacar Bolsonaro ao invés de falar de política e ações efetivas de seu futuro governo — assim como fora feito com Ciro Gomes no dia anterior —; pincelando uma pergunta ou outra sobre seu possível modus operandi num provável mandato, logo em seguida construiam ataques frontais ao sabatinado se utilizando de antigos e controversos discursos (usaram até mesmo a entrevista no Superpop de Luciana Gimenez). O resultado? Ao meu ver foi um verdadeiro vexame nacional retumbante para a emissora.
Mas veja, isso não se deu exatamente, e tão somente pela perspicácia das respostas de Bolsonaro, pois elas se mantiveram naquele terreno amorfo e basbaque que tantas vezes antes denominei de “mais do mesmo”. Nenhuma retórica nova ou resposta digna de ser estudada em teses doutorais.
Todavia, Bonner e Renata vieram para “lacrar” e mostrar contradições do Bolsonaro, e por isso tomaram uma invertida histórica e desmoralizante; os maiores âncoras jornalísticos do país tocaram a sabatina num ritmo de discussão de bar, justamente o ritmo que Jair Bolsonaro domina e esbanja respostas prontas. Em resumo, a vitória de Bolsonaro na sabatina não se deu pelas altas capacidades retóricas de Bolsonaro, mas pela evidente incompetência e infantilidade jornalística dos âncoras globais que vieram para uma briga de adolescentes e não para uma sabatina. Tal sabatina deveria ser arquivada e exibida nas universidades como exemplo de como não fazer uma sabatina jornalística.
Antes de mais nada:
E aqui, antes de mais nada, me cabe justificar a análise que se seguirá antes das óbvias críticas que virão ao texto; num Brasil tão polarizado que não é possível apontar aleatoriamente para esquerda sem ser taxado de “comuna”, ou se indignar com os 64 mil assassinatos/ano sem ganhar a alcunha de “fascista”, parece que analisar friamente um cenário político se tornou ilusão.
Não estou defendendo o candidato Bolsonaro, aliás, há poucos dias o critiquei — junto a seus seguidores — na Gazeta do Povo, disse que estão fazendo dele um Bezerro de Ouro, idolatrando-o de maneira servil e acéfala; noutro momento declarei publicamente que não votarei nele por sua inaptidão em oferecer soluções profundas às aporias brasileira; no debate da Rede TV, disse em minhas redes sociais que sua atuação foi “pacóvia e profundamente patética”.
Com a análise que se seguirá, busco tão somente mostrar uma compreensão política para o fato de o Bolsonaro ser uma sensação evidente no Brasil, a análise dos porquês dele conseguir cada vez mais afundar os aristocratas da política e das mídias nacionais num lamaçal de vergonhas — e isso não se trata de uma compreensão unilateral minha —; quero aqui erigir um exame dos fatos, desvinculando quaisquer paixões e repulsas ao candidato em questão!
Representatividade com o povo médio:
Bolsonaro alcançou aquilo que chamamos no meio político de “representatividade popular”; e o irônico é que, grande parte da população que acredita em suas pautas, eram eleitores e militantes de Lula. Nem sempre o discurso socialmente correto do diretório acadêmico e partidário cabe na realidade do Bairro; foi o fato que Roger Scruton analisou em seu próprio pai no livro “Como ser um conservador” (ver: SCRUTON, 2015, p. 14), um confesso socialista ligado ao partido dos trabalhadores, mas extremamente conservador na política municipal.
O candidato não está preocupado com estilísticas discursais, conhecimentos doutorais, teorias acadêmicas, relatórios da ONU que ninguém lê, ou citação de intelectuais (a não ser Roberto Marinho, é claro). Seu discurso aproxima o dito “povão” do poder presidencial; se antes houve tal aproximação com Lula, isso se deu pelo uso de necessidades, promessas, favores e utopias que o PT sempre soube manipular ao seu favor.
A linguagem que todos falam:
No entanto, Jair parece efetivamente falar a mesma língua, os mesmos assuntos que a população não-intelectualizada fala diariamente, ele incorpora o ethos de padeiro, carteiro, dona de casa e do atendente da farmácia, falando exatamente do que eles falam com a linguagem que eles utilizam, enxergando a realidade que eles enxergam e preparando suas respostas a partir disso; o capitão não vê o Brasil pelos óculos das abstrações doutorais e academicistas, mas pelo dia-a-dia. A população vê e sente a violência cotidianamente, são eles que voltam para as suas casas com medo; as teorias que justificam o bandido, arrogando ser ele vítima da sociedade, na grande maioria das vezes são defendidas por homens e mulheres que após a aula na Universidade Federal voltam para os seus condomínios fechados ou repúblicas estudantis onde criam uma realidade paralela; os ditos: socialistas de mansões, arquitetos de mundos ideais.
Bolsonaro — diferentemente dos demais candidatos — consegue falar sem filtros com a população média, e aqui jaz seu grande sucesso e capacidade de aglutinar seguidores; ele não está preocupado com a quadratura da câmera, se ele deve estar em pé ou sentado na abertura do debate, se deve em nome de um requinte de bons modos abotoar a manga da camisa ou fazer menção a grupos humanistas internacionais, se deve sorrir para a câmera e para os demais candidatos ou deve ficar sério.
A autenticidade de Bolsonaro é seu maior e melhor marketing; a primeira frase dita por Bolsonaro — sob risos — na sabatina do Jornal Nacional foi: “Essa mesa está parecendo uma plataforma de tiro”. Conseguem imaginar uma descompostura desse nível de candidatos como Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles ou de Marina Silva? Todavia, a maioria do povo médio deu risada e não achou nada ofensivo tal colocação; nas rodas socialistas e intelectualizadas, entretanto, não é ilusão imaginar que muitos cuspiram desaprovações ao candidato sabatinado.
A receita para o sucesso:
As pautas e os discursos — ainda que simplórios — encontram a realidade da população amedrontada. Ele usa os mesmos termos para defender pontos de vista que pela manhã o Seu José defenderá na fila da Lotérica, que a Dona Neusa debaterá com a sua vizinha; amanhã, quando a linha vermelha for novamente fechada por tiroteios e traficantes armados surgirem no horizonte dos olhos aterrorizados de mães e crianças, aqueles sitiados e amedrontados cidadãos lembrarão que Bolsonaro disse na sabatina que sob seu governo a polícia e o exército terão abertura para dar “10, 20, 50 tiros” naqueles traficantes. Bolsonaro parece fazer da realidade crua o seu mais influente cabo eleitoral, e do ponto de vista político e estratégico isso é genial!
Tal é a receita de Bolsonaro para ser eleito; mas os encastelados jornalistas, professores universitários, intelectuais de alto pedigree e demais homens abstratos amantes da “humanidade”, “ecologia” e “dignidade do bandido”, não conseguem achegar os seus mundinhos perfeitos e teorias de oitocentas páginas à realidade cruenta do pobre e da classe média. Não estou dizendo que tal postura de Bolsonaro seja inteiramente boa ou ruim, acredito que a academia está aí justamente para tratar de assuntos para além da casca simplória e das frases de efeito, e que muitas das teorias ali surgidas ajudam sim a equilibrar e sanar problemas reais; o que estou expondo, todavia, é o cenário tal como ele é apresentado hoje.
Conclusão:
Retirando o espaço abissal do limbo onde o povo médio fora condenado a viver na política brasileira desde os tempos mais primórdios dessa Terra de Santa Cruz; o povo que se via eternamente marinado num linguajar de promessas infindáveis e teorias academicistas de mundos ideais, de socialismos de lousas, Bolsonaro teve a proeza que poderia ter sido de qualquer outro candidato, ele devolveu ao povo a proximidade de suas vontades da ação política efetiva.
Bem ou mal, Bolsonaro é o único que até agora está falando com o povo pobre e médio do país; os demais candidatos fazem discursos para banqueiros, elites intelectuais e universitários militantes, temperando vez ou outra uma proximidade discursal que o povo não engole mais após tantos anos fracassos retumbantes de nossa república.
Referência:
SCRUTON, Roger. Como ser conservador, Rio de Janeiro: Record, 2015
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