Como um simples tropeiro, sujo e com dor de barriga, foi assim que D. Pedro proclamou a Independência do Brasil, segundo Laurentino Gomes. Se os fatos daquele sete de setembro de 1822 correspondem a esta versão, ou à imagem épica do brado retumbante às margens do Ipiranga, não vem ao caso aqui; o importante é que o Brasil ainda é uma república inacabada.
Se antes éramos colônia de Portugal, hoje somos súditos de Brasília. O Executivo governa com “medidas provisórias” de dar inveja aos decretos da ditadura. A carga tributária já chega a quase 40% do PIB. Há excesso de leis e regulações. O cidadão é tratado como um incapaz que necessita da tutela do Estado. Até quando vamos tolerar isso?
Amanhã celebraremos 189 anos de Independência. Peço ao leitor que, antes de abrir a merecida cerveja no feriado, dedique alguns minutos à reflexão acerca de nosso país. Vivemos em tempos de acelerada decadência moral e completa desmoralização da política. “Quando os que mandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito”, alertava o Cardeal de Retz.
O brasileiro trabalha até maio apenas para sustentar uma máquina estatal ineficiente e corrupta. Em contrapartida, não tem segurança, educação, saúde ou infraestrutura decentes. O Estado falha em suas funções precípuas, enquanto estende seus tentáculos a inúmeras áreas que não deveria. Em nome da “justiça social”, o Leviatã estatal se transformou numa gigantesca máquina de transferência de riqueza, cobrando enorme pedágio por isso. Não satisfeito, ainda quer ressuscitar a CPMF!
Recentemente, o Congresso desferiu mais um duro golpe nos brasileiros honestos, com a votação secreta que absolveu Jaqueline Roriz. Ela foi pega em vídeo recebendo propina, mas se alegou que o episódio ocorrera antes de sua eleição. Eis o escárnio total com que os deputados tratam seus eleitores: roubar pode, desde que não seja pego até as eleições. Tanto absurdo deveria parar o país, só que muitos estão perdendo a capacidade de indignação. Um rumo deveras perigoso.
Mas o espetáculo precisa continuar. Seguem batendo o bumbo da “faxina” contra a corrupção, ignorando detalhes importantes: as atitudes da presidente Dilma foram sempre reativas; ela veio do mesmo governo Lula que a antecedeu; Erenice Guerra, acusada de corrupção, estava ao lado de Dilma no dia da posse; e a própria presidente já sinalizou que a “faxina” acabou. É esta a “faxineira” que desperta tanta esperança na classe média?
A presidente alterou o discurso sobre austeridade fiscal. Aquilo que antes era considerado “rudimentar”, agora é defendido como necessário para reduzir a inflação. Mas, novamente, vemos que o espetáculo é mais importante que o resultado. O governo pretende ampliar em R$ 10 bilhões o superávit primário, sendo que os gastos públicos chegam a R$ 1 trilhão. Algo análogo a uma família endividada que gasta R$ 10.000 anunciar uma redução de R$ 100 nas despesas, para “arrumar” as finanças.
Como o governo não reduz seus gastos, não desarma a bolha de crédito do BNDES, e não aprova uma única reforma estrutural, resta derrubar os juros na marra. Foi justamente o que vimos semana passada, numa decisão inesperada do Copom, mesmo com inflação acima da meta. Trata-se de mais uma independência necessária: a do Banco Central. Quando este deixa de ser o guardião da moeda e passa a ser cúmplice do governo gastador, abrem-se as comportas da inflação galopante.
Não obstante, o brasileiro esclarecido parece acovardado, sem esperanças ou forças para lutar. Mas a apatia não nos levará a lugar algum além de mais abuso de poder. O derrotismo das pessoas de bem é grande aliado dos corruptos. O dirigismo estatal e a impunidade andam de mãos dadas com a corrupção. É preciso ter coragem para se erguer contra isso. É preciso ter visão de longo prazo, lutar contra a miopia daqueles que trocam a liberdade por migalhas, ainda que de ouro. Todos querem “direitos”, mas ninguém quer responsabilidades. As mudanças dependem de nós.
Por isso, caro leitor, peço a você que use algum tempo ocioso neste feriado para pensar no que fazer de concreto para melhorar as coisas. Precisamos conquistar uma nova independência, desta vez dos abusos de Brasília. Se cada um colaborar à sua maneira, em vez de apenas se resignar ou esbravejar num bar com os amigos, quem sabe teremos alguma chance?
* Artigo publicado em minha coluna no GLOBO nesse mesmo feriado, em 2011
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