Essa não foi uma semana boa para o presidente Trump. Ele ter voltado a usar seu Twitter de forma mais intensa prova isso: é quando está acuado que usa a rede social para desabafar normalmente. O comentarista Ben Shapiro, um dos melhores e mais independentes que existem, elencou várias derrotas acumuladas por Trump nessa semana em seu podcast desta quinta.
Shapiro nunca foi um trumpista, tampouco um “never Trumper”. Ele sempre manteve a postura que julgo mais adequada, de análise isenta, criticando quando achar que deve, elogiando quando achar que merece. Ele chama a atenção para a postura binária de alguns, contraproducente, de quem está sempre em guerra e não pode tecer críticas ao “seu” lado, pois acha que assim fortalece o outro.
O problema disso é que não ajuda a fortalecer o nosso lado, o lado de quem acha sim Trump melhor do que as alternativas à esquerda, mas nem por isso fechou totalmente com uma pessoa, preferindo defender princípios e valores e pressionar o próprio lado para melhorar sempre.
Foi nesse espírito crítico e cético que Shapiro listou as derrotas de Trump na semana. A começar com a questão do muro. Trump fez aquela reunião no Salão Oval com Nancy Pelosi diante da imprensa, e de fato pareceu marcar um gol ali, como cheguei a comentar. O problema é que não se governa só com retórica ou “lacrada”, muito menos tweets. É preciso articular com sua base, com a oposição, com o Congresso. Lição básica que Bolsonaro pode absorver se quiser ter sucesso nas reformas.
Trump exigia um bom acordo para as fronteiras em troca de aprovar o orçamento, caso contrário não se importaria de “fechar” o governo e assumir a responsabilidade por isso. Ocorre que os democratas estão irredutíveis quanto ao muro no México, cujo custo seria de apenas $5 bilhões, e aparentemente Trump já recuou, pois os políticos republicanos estariam pressionando para um acordo mesmo sem o muro.
Apoiadores trumpistas que desde o começo defendem Trump, como Ann Coulter, que chegou a escrever um livro substituindo Deus pelo presidente americano no título (In Trump we trust), já começam a demonstrar sinal de cansaço. Coulter disse numa entrevista que se o muro não estiver construído até as próximas eleições, não votaria em Trump para reeleição. Trump fez da construção do muro uma de suas principais promessas de campanha, e repetiu isso umas 1.548.934 vezes, pelo menos. Seria uma decepção muito grande para seus apoiadores se o muro não sair do papel, e a celebração de democratas essa semana mostra que isso é uma realidade provável.
Além disso, houve a decisão de retirar as tropas americanas da Síria, um potencial erro grave. São apenas dois mil soldados, mas que estão agindo para manter o status quo e impedir que o Isis retome regiões importantes. Os curdos contam com esse apoio. Mas Trump decidiu, aparentemente sem muita consulta e talvez para agradar os turcos, trazer a tropa de volta para casa, usando inclusive linguagem sensacionalista para comunicar isso, como se o desejo dos soldados fosse sempre ficar em segurança num campo na Georgia, e não lutar com patriotismo pela maior segurança da América.
Vários aliados próximos criticaram Trump por isso, a começar pelo senador Lindsey Graham. O chefe do Pentágono chegou a renunciar por conta dessa medida:
O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Jim Mattis, renunciou quinta-feira (20) após bater de frente com o presidente Donald Trump sobre a retirada das tropas americanas da Síria e do Afeganistão, dizendo em uma carta de despedida que o presidente merece alguém no Pentágono “melhor alinhado” com seus pontos de vista.
A demissão surpresa do general da Marinha veio um dia depois que Trump chocou aliados americanos e vetou seus conselheiros, incluindo Mattis, ao anunciar a retirada das tropas americanas da Síria. No processo, Trump declarou vitória sobre o Estado Islâmico, apesar de o Pentágono e o Departamento de Estado dizerem durante meses que a luta contra o grupo na Síria não acabou.
Trump também ordenou ao Pentágono, contrariando a recomendação de Mattis, que elaborasse um plano para retirar aproximadamente metade das tropas americanas enviadas ao Afeganistão, uma medida que as autoridades militares alertaram que poderia mergulhar a nação no caos.
Se o Isis foi “completamente derrotado”, como alega Trump, como ele pode, então, afirmar que os russos continuarão lutando contra os terroristas islâmicos na região? Claro que o Isis não acabou totalmente, e a decisão de Trump aumenta o grau de risco de um fortalecimento do grupo terrorista. Trump tomou uma ação no estilo Obama, outra decepção para os republicanos que entendem melhor o custo da liberdade. Não importa que a reação de seus adversários seja incoerente e oportunista, como essa:
Infelizmente, tem alguns conservadores que acham que a melhor resposta a esse tipo de coisa é agir da mesma forma, ou seja, tornar-se incoerente e sempre defender o que “nosso lado” faz, não importa se certo ou errado. A direita não vai vencer a esquerda se tornando como ela, mas sim mantendo sua superioridade moral e apego aos princípios. Nenhum líder merece apoio incondicional. Não é razoável achar bom manter tropas na Síria um dia, e no dia seguinte achar ruim só porque Trump tomou a decisão de retira-las. Trump errou aqui também.
E errou ao sancionar mudanças nas leis criminais, aprovadas com amplo apoio bipartidário, algo raro no Congresso. Por que será? Se os democratas em peso – e todos votaram pelas mudanças – defendem uma coisa, é preciso cautela, muita cautela. As leis, no caso, afrouxam a punição para certos crimes, enquanto nós, brasileiros, sabemos muito bem que o caminho para combater a criminalidade é o oposto, endurecer punições. Foi outra boa fora na semana.
Por fim, Trump está envolto em problemas legais, com ex-assessores importantes presos ou delatando esquemas do presidente. Não quer dizer que vai dar em alguma coisa, nem mesmo agora que os democratas terão maioria na Câmara, mas certamente trarão muita dor de cabeça para Trump e muito barulho na imprensa. O fato de Trump não conseguir calar a boca e deixar seus advogados fazerem sua defesa legal de forma discreta em nada ajuda. A pior coisa para um possível réu e falar demais, e Trump fala demais.
Até aqui, Trump acumulou boas vitórias e conquistas para os republicanos, ainda que o Obamacare continue aí, assim como a Planned Parenthood, a fábrica de abortos, segue recebendo financiamento público. Mas a economia vai bem, com corte de impostos e burocracia, os Estados Unidos tomaram medidas importantes no âmbito geopolítico, a histeria dos ecoterroristas teve contratempos relevantes com a gestão de Trump etc.
Quando ele acerta, apontamos, ao contrário da mídia. Mas quando ele erra, também apontamos. Em coro com a mídia, mas por motivos diferentes.
Rodrigo Constantino
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