Por Percival Puggina
Esses venezuelanos que se mandam para o Brasil, atravessando a fronteira em Pacaraima, devem ser direitistas empedernidos, intransigentemente conservadores, pessoas de muito mau gosto e lerdas de entendimento. Só pode ser isso. Quem, em sã consciência, quereria fugir de um governo que, além de comunista é bolivariano, assim definido pelo talento retórico de Hugo Chávez (de quem se diz estar morto, como se divindades morressem)? Quem quereria fugir?
Durante anos debati, em rádio e TV, com personalidades políticas e intelectuais da esquerda gaúcha, sobre a realidade venezuelana. Posso testemunhar a reverência que prestavam à revolução em curso na terra de Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios Ponte-Andrade y Blanco, nome que todo venezuelano sabe de cor! A Venezuela era o país mais bem orientado e governado no continente…
Caracas se tornou escala obrigatória dos que iam a Havana. Com Dilma, com Lula e em entusiásticas delegações, levavam ouro, incenso e mirra (ou financiamentos do BNDES, o que dá no mesmo). Apertar a mão de Hugo Chávez equivalia a uma sagração e compensava a viagem. Era coisa de contar aos netos. Quase como ter visto Che Guevara de longe. O homem mandava no parlamento, nomeava o judiciário, submetia a imprensa, exercia poder sobre tudo. De lambuja, vencia quaisquer eleições e plebiscitos a que se submetesse. Ali estava o melhor exemplo de democracia popular, em contraponto à democracia burguesa “ainda praticada no Brasil”. Caracas era Havana com upgrade. E tinha petróleo.
Mas voltemos àquela pequena cidade no extremo norte do Brasil por onde estão entrando os venezuelanos. Pacaraima, com seus cinco mil habitantes, não é um polo turístico, mas ferve de estrangeiros. Sua modorra foi rompida pelo êxodo do país vizinho. Muitos chegam e ficam até arrumar o dinheiro para seguir viagem. Outros passam rumo a Boa Vista e além. São Paulo está quase sempre perto do coração e longe do bolso. Outras rotas de emigração, ou simples busca de alimentos, se estabeleceram no país, como a que leva à Colômbia, cruzando o rio Pamplonita em Cúcuta e tem ensejado impressionantes registros fotográficos.
Nos primeiros anos da Revolução Cubana, cerca de 20% da população abandonou a ilha. O fluxo autorizado pelos Estados Unidos e o clandestino por quaisquer meios até a Flórida, retirou bem mais de 2 milhões de cubanos que são denominados “gusanos” (vermes) pelo governo da ilha. Estamos vendo, agora, em proporções diferentes, mas por causa semelhante, uma repetição do fenômeno na Venezuela. Mas é claro, nada disso abala a fé que companheiros e camaradas daqui depositam no regime de lá.
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