Roberto Campos pregava no deserto. Quando defendia as privatizações, o fazia quase sozinho, e era rotulado de “entreguista” pelos nacionalistas, à esquerda e à direita. Mas, de uns tempos para cá, com muito esforço de liberais e com a escancarada roubalheira nas estatais vindo à tona, a mentalidade mudou. A resistência ideológica às privatizações se enfraqueceu. Os que ainda defendem um estado-empresário é que estão na minoria, pelo visto.
Claro, ainda vemos muitos deles por aí. Mas os “argumentos” que usam para combater as privatizações não encontram tanto eco, e fica evidente que estão, no fundo, em busca de interesses particulares, não nacionais. Na coluna “Poder em Jogo”, no GLOBO de hoje, podemos ver um grupo desses se articulando para jogar contra o país uma vez mais:
Com 53 deputados e sempre queixosa por ser preterida no primeiro escalão, a bancada de Minas está unida contra a venda das usinas da Cemig. E ameaça com uma rebelião na Câmara caso o governo não encontre uma saída para sanear a empresa por meio de um empréstimo do BNDES. A Cemig quer manter as usinas, mas está altamente endividada. O deputado Fábio Ramalho, primeiro vice-presidente da Câmara, é um dos porta-vozes do movimento de pressão sobre o Planalto. Para tentar adoçá-lo, o presidente Temer convidou-o para ir com ele à China semana que vem. De quebra, deixa-o temporariamente fora da linha de comando da Casa.
Mas, no mesmo jornal, temos um editorial que deixa evidente o motivo dessa resistência remanescente, que não tem nada de nobre e tudo de fisiológico. O jornal explica por que políticos normalmente não gostam de privatização. Eis um trecho:
Sindicatos de funcionários de empresas públicas costumam ser os primeiros a levantar barricadas contra a privatização de estatais. Temem a cultura administrativa do mundo privado, onde não existe Tesouro para compensar prejuízos com dinheiro do contribuinte, nem há condescendência com maus profissionais e vigora o princípio do mérito.
O anúncio da privatização da Eletrobras e a intenção do governo de levar à leilão usinas da área da Cemig, estatal mineira, ambas as operações para ajudar no reequilíbrio fiscal da União, têm enfrentado resistência também de políticos. Mas não só por motivos ideológicos. Estes são conhecidos. Tem ficado evidente, nessa rejeição à venda de estatais, outro tipo de oposição, com origem na cultura pluripartidária do fisiologismo, e também na corrupção que costuma ser praticada no mundo das empresas públicas.
Garimpar comissões e empregar apaniguados em estatais é o sonho de muita gente. Daí, logo depois do anúncio da privatização da Eletrobras, políticos nordestinos terem passado a defender a manutenção da Chesf como estatal. Claro, alegadamente para o bem da região e dos nordestinos.
O editorial conclui: “Esta é a questão: pode ser eleito um governo populista e pouco ético e desmontar as conquistas feitas em gestões anteriores. Portanto, no caso da estatais, a melhor e única alternativa sensata é vendê-las, até por precaução”. Esse é um bom argumento para a privatização, mas não o único, tampouco o melhor.
Afinal, mesmo um governo ético não costuma ser um bom empresário. O motivo é simples: o mecanismo de incentivos é perverso, inadequado, não dá para ter a mesma agilidade, o foco no cliente, ser agressivo ao premiar os funcionários mais eficientes e punir os mais incompetentes, não há o escrutínio dos donos do capital da mesma forma que no setor privado, e por aí vai.
Carlos Alberto Sardenberg, em sua coluna no mesmo jornal, pergunta para provocar, já no título: A Eletrobras é de quem mesmo? E sabemos a resposta: do povo é que não é! O jornalista explica:
Qual o argumento para essa restrição à privatização?
Da boca para fora, só um: Cemig e Furnas fazem parte da história, são patrimônio dos mineiros, assim como Chesf é história e patrimônio do Nordeste etc.
Outro ingênuo diria: se é patrimônio de Minas, então por que os mineiros não assumem as dívidas daquelas duas empresas, aliviando os bolsos dos contribuintes nacionais sempre chamados a pagar com impostos os buracos das estatais? Valeria também para os que se julgam donos da Chesf e Eletronorte — e assim por diante.
Mas chega de bobagem. Nem os estados têm esse dinheiro, nem os políticos estão interessados em assumir estatais enroscadas em dívidas.
O que eles querem é outra coisa. Querem ter controle sobre as empresas, e isso significa: indicar diretores e nomes para um monte de cargos espalhados por vários estados; escolher fornecedores; encaminhar contratos; e, claro, conseguir apoio de toda essa gente, dos lados público e privado, nas campanhas eleitorais.
Em seguida, Sardenberg mostra que mesmo os partidos menos estatizantes, como PSDB e DEM, acabam defendendo as privatizações da boca para fora, mas lutam para preservar estatais que comandam. Ele conclui:
E teve a corrupção exposta pela Lava-Jato. Se faltava alguma coisa para condenar esse capitalismo de Estado, não falta mais. A privatização é o melhor caminho. Diria, o único caminho para ganhar produtividade.
Pena que tenha sido necessário passar por essa destruição de patrimônio público para chegar a uma ideia obvia. E é inacreditável que haja políticos lutando pelo que consideram o seu patrimônio, empurrando a dívida para os contribuintes.
De fato, levamos muito tempo para enxergar o óbvio, quando enxergamos! Roberto Campos estava nessa luta há décadas. Mas plantou sementes, e finalmente parece que estamos colhendo seus frutos. Vejam essa pesquisa realizada no blog do Noblat, por exemplo:
Uma vitória de lavada dos liberais! É com orgulho, portanto, que lembro – na verdade sou lembrado pelo Facebook – que escrevi um livro em defesa da privatização em 2012, e que já mostrava todas as enormes vantagens de se retirar o estado da gestão de empresas:
Infelizmente, não é só a esquerda que ainda flerta com um estado nacionalista controlador de empresas. Há uma ala da direita que ainda pensa dessa forma também, mostrando forte afinidade com figuras típicas da esquerda, como Ciro Gomes. Falo, claro, de Bolsonaro e muitos de seus seguidores.
Escrevi um texto mostrando como a mentalidade militar pode afetar a compreensão da economia, mas não adiantou: vários fãs aguerridos do “mito” estão atacando a ideia de privatizar essas estatais, que seria “burrice”. A essa turma, deixo o conselho de Paulo Eduardo Martins, um ótimo exemplo de conservador que não abandonou o lado liberal em troca de um nacionalismo tacanho:
É isso. Menos Enéas Carneiro, mais Roberto Campos. E privatize já!
Rodrigo Constantino
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