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Verdade, pós-verdade e fake news

Por Jocinei Godoy, publicado pelo Instituto Liberal

Que as filosofias contemporâneas não se prestam a busca pela verdade, não é novidade para nenhum estudioso da área. Esta situação é bem diferente do período nascente da filosofia ocidental, conforme escreveu Giovanni Reale “[…] o objetivo ou fim da filosofia está no puro desejo de conhecer e contemplar a verdade” (REALE, 1990, p. 22). Em outras palavras, negar a busca pela verdade significa negar a própria filosofia. Até porque, antes mesmo de o homem se prestar ao exercício filosófico, o mesmo já se dava conta do que era a verdade, ou seja, a verdade antecede o próprio ato de filosofar.

Pode-se afirmar então que a verdade é, ao mesmo tempo, condição para o filosofar, além de ser o seu objeto. Platão e Aristóteles, grandes filósofos do período antigo já defendiam tal posição. Antes deles, Parmênides de Eleia no século V a.C., havia declarado o princípio da verdade como sendo: “o ser é e não pode não ser, o não ser não é e não pode ser de modo algum” (REALE, 1990, p. 50). Parmênides acreditava que pensar e ser eram a mesma coisa, pois não se pode pensar no nada ou mesmo dizê-lo.

O conceito de verdade exposto acima ficou conhecido como Correspondência. É o conceito que mais de aproxima da vida prática das pessoas, uma vez que ele trata da correspondência entre o enunciado e a coisa de que se enuncia. No entanto, o conceito de verdade foi tomando rumos e significados diferentes ao longo da história.

A verdade como Revelação é o conceito de verdade que remonta aos escritos agostinianos (Santo Agostinho), bem como de todo o período Medievo. Em resumo, é uma forma metafísico-teológica que diz respeito a maneiras especiais de conhecimento que captam a essência das coisas e, em última instância, a própria noção de Deus.

Séculos mais tarde com santo Tomás de Aquino (1225-1274) a verdade foi entendida como a adequação entre o intelecto e a coisa. São Tomás via o intelecto humano como portador de fagulhas de divindade suficientes para captar a essência do objeto. Os traços deste conceito podem ser percebidos no método cartesiano (de Descartes) ao se valer das ideias inatas, sendo a principal delas, a ideia de Deus como uma verdade eterna.

Um pouco mais adiante, Immanuel Kant (1724-1804) entendia a busca pelo conhecimento ou da verdade como algo dado em formas a priori do pensamento, isto é, da razão humana. Ele entendia que era impossível conhecer a essência das coisas, podendo apenas ser conhecido o fenômeno das coisas, por estarem de acordo com as estruturas a priori(antes da experiência) de nossa mente.

Contudo a virada negativa do conceito de verdade, isto é, o conceito de Utilidade, ocorreu, principalmente, com o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Esta concepção pragmática de verdade toma como verdadeiro ações e enunciados que visam algum tipo de proveito pessoal ou coletivo, reduzindo a verdade ao atendimento das regras da linguagem e da lógica.

Nietzsche discorreu sobre este conceito com mais intensidade em seu livro Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral. Em suma, Nietzsche expõe a verdade como uma ilusão necessária às relações humanas, no que tange a necessidade de se estabelecer confiança. Diz também que a verdade se presta, principalmente, aos fortes na e para a manutenção do poder (como também defendia o filósofo Michel Foucault).

Ao se lançar na defesa deste conceito de verdade, Nietzsche faz uma reviravolta em quase toda a história da filosofia, praticamente, tomando a virtude como vício e o vício como virtude. É nesta esteira que Michel Foucault influenciado por Nietzsche escreve sobre a vontade de verdade. Sobre isto ele disse: “[…] se o discurso verdadeiro não é mais, com efeito, desde os gregos, aquele que responde ao desejo ou aquele que exerce o poder, na vontade de verdade, na vontade de dizer esse discurso verdadeiro, o que está em jogo, senão o desejo e o poder?” (FOUCAULT, 1970, p. 20).

Tanto Nietzsche quanto Foucault, reduziram drasticamente o critério da verdade ao mero campo da linguagem. Suspeita-se que o motivo pelo qual estes filósofos lançaram seus ataques ao conceito de verdade, que remonta milênios de história civilizacional, se assenta no desejo de rompimento com as estruturas filosóficas fundacionais, bem como, da destruição de arquétipos e conceitos de ordem universal, sobretudo, que se relacionam com o teísmo cristão.

A partir deste itinerário acerca do conceito de verdade, fica fácil perceber o que seria o conceito de pós-verdade. A Universidade de Oxford em sua tradicional publicação de palavra do ano escolheu o termo “pós-verdade” (pós-truth) para compor o seu consagrado dicionário no ano de 2016. Isto se deveu, em especial, por conta dos casos de divulgação de informações falsas, travestidas de verdadeiras, nas campanhas de eleição para Presidente dos EUA, bem como das informações falsas acerca da saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit).

Não é sem motivo que este modo de fazer notícia ou de divulgar informações, sobretudo, nas redes sociais, aconteceram e acontecem de forma desenfreada no atual cenário mundial. Se hoje, os meios de comunicação justificam suas ações e discursos sob o guarda-chuva da pós-verdade, pode-se afirmar que as raízes desta justificativa encontram-se nas filosofias que a endossam.

Também não é sem motivo que filósofos como Nietzsche, Foucault, Jacques Derrida e outros desta linha são os “prediletos” dos jovens, principalmente, daqueles que se encontram no departamento de Humanidades das Universidades, ávidos pela negação dos marcos e fundamentos histórico-civilizacionais do Ocidente.

O principal destes marcos histórico-civilizacionais do Ocidente é a moral judaico-cristã. Este é o ponto! O controle das metanarrativas pela Esquerda ao fazer uso de sua dialética no campo da linguagem distorce o que de fato é verdadeiro colocando em seu lugar, aquilo que faz parte do seu interesse. Eis aí a verdadeira “fake news” a serviço da derrocada dos valores que mantém em pé a civilização ocidental.

É nessa esteira que o Facebook (do progressista Mark Zuckerberg), provavelmente, com objetivos comerciais e políticos que afetem, inclusive, o cenário eleitoral brasileiro, ordenou a remoção de 196 páginas e 87 perfis (sem transparência alguma), sob a justificativa que elas estavam fomentando as fake news na internet ou o uso de contas falsas.

Ao que parece a remoção destas contas estão mais para perseguição ideológica do que para a preservação da veracidade das informações disseminadas na rede. Isto porque as principais contas excluídas fomentam o pensamento conservador e de liberalismo econômico. Possivelmente, este tipo de ação coaduna com a forte trama geopolítica de progressistas, globalistas e metacapitalistas contra a moral judaico-cristã. É o cerco se fechando em torno daqueles que ainda insistem em levantar a bandeira da verdade a despeito da relativização pós-moderna.

Sobre o autor: Jocinei Godoy é formado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Independente de Campinas-SP; estudante de Filosofia na PUC-Campinas-SP; e Sócio da Evolução Consultoria. 

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