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Via negativa: um voto a favor e um voto contra

Por Mariano Andrade, publicado pelo Contraponto

Em teologia, o termo via negativa representa uma maneira de descrever Deus com atributos que Ele não tem. Trata-se de um reconhecimento pelos teólogos de que não há como caracterizar Deus de forma finita e exaustiva utilizando afirmações sobre atributos que Ele possui (i.e. via positiva) . Portanto, prefere-se a argumentação onde eliminam-se os quesitos que não o caracterizam (via negativa) para se chegar à descrição mais próxima da (suposta) realidade.

Parece muito abstrato, mas o conceito é simples e tem aplicação prática em áreas como matemática, física, biologia, química e outros tantos ramos de pesquisa. Na matemática, por exemplo, algumas demonstrações são mais fáceis e elegantes pelo “método do absurdo”, ou seja, via negativa. Parte-se do pressuposto que uma determinada expressão não é verdadeira e demonstra-se que isso não pode ser verdade pois tal hipótese feriria um axioma ou uma tautologia. Portanto, prova-se que a referida expressão é válida.

O autor Nassim Taleb faz o uso da via negativa amiúde em seus livros. O clássico Cisne Negro alude à crença entre os zoólogos europeus que não existiam cisnes negros no planeta. Para que essa hipótese fosse provada, seria necessário catalogar todos os cisnes do planeta, tarefa inexequível. Por outro lado, rejeitar essa hipótese seria automático quando/se um único cisne negro fosse avistado – o que de fato ocorreu na Austrália em 1697 e derrubou a crença.

Em resumo: o raciocínio via negativa é muito mais poderoso do que a lógica via positiva. Rejeitar uma hipótese, em especial as generalistas, é um objetivo muito mais obtenível do que comprová-la.

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O Brasil vive uma crise de representatividade. Nas eleições de 2018, certamente muitos parlamentares com altíssimo índice de rejeição serão eleitos ou reeleitos.  Podemos ter Dilma, Aécio, Lindberg e outros cancros sendo agraciados com novos mandatos – e benesses às nossas custas – embora contem com índices de rejeição muito maiores do vários candidatos que não serão eleitos.

Nosso país já “inovou” com invenções idióticas como tomada de três pinos, Justiça do Trabalho e outras. Temos a oportunidade de inovar com algo que seria de grande valia à sociedade: um sistema eleitoral que conte com o voto via negativa.

Cada eleitor brasileiro teria direito a dois votos para cada cargo disputado – um voto positivo e outro negativo. Dessa forma, um candidato com alta rejeição provavelmente receberia muitos votos negativos e sua votação líquida não seria suficiente para conferir-lhe o mandato. Uma maravilha, não é mesmo? Afinal, que democracia é essa onde homens e mulheres desprezíveis e execrados pela opinião pública conseguem ocupar cargos públicos com um punhado de votos? Como sempre, a via negativa é mais poderosa, até na democracia. A representatividade obtida com o sistema proposto teria muito mais aderência à vontade holística da população.

A sabedoria popular diz que uma ponte leva anos para ser construída, mas apenas um instante para ser derrubada. Os homens públicos sabem que a confiança do eleitor segue a mesma dinâmica: conquistar votos positivos é fruto de muito trabalho. Mas uma única pisada na bola (dinheiro na cueca, refinaria buraco-negro, cusparada em parlamentar, bebedeira pública, etc) poderia rapidamente destruir isso tudo, pois o sujeito angariaria um volume imenso de votos negativos e quaisquer pretensões eleitorais ser-lhe-iam frustradas. O sistema via negativa seria uma poderosíssima arma contra a corrupção, a má gestão pública e a conduta inadequada.

O sistema via negativa é o único formato que – de fato – permitiria no Brasil o ingresso de outsiders e a quebra da velha política e do establishment que tanto odiamos. Basta o leitor fazer um exercício com a vindoura eleição presidencial de 2018: Lula possui algo como 30% das intenções de voto (difícil crer, mas é o que dizem por aí…), mas certamente capturaria mais de 30% dos votos negativos, resultando em saldo líquido negativo. João Amoêdo, que conta com a mais baixa rejeição segundo pesquisa recente, poderia ter saldo líquido superior ao do presidiário, mesmo sendo um outsider com campanha espartana e poucos segundos na televisão.

Haveria outros benefícios da via negativa eleitoral. O sistema incentivaria os políticos a adotarem posturas mais moderadas e evitarem a polarização, o que em muito beneficiaria a governabilidade e – em última análise – o bem-estar social. Posicionamentos extremistas catalizam rejeição e, no sistema proposto, uma quantidade expressiva de votos negativos. Portanto, a moderação seria recompensada e, com isso, o país poderia sair de vez do modo “nós contra eles”, adotar uma agenda construtiva e passar a caminhar para frente.

O Brasil precisa urgentemente de uma reforma política, pois o sistema eleitoral e partidário vigente não coaduna com a democracia. Poucos parlamentares atingem quociente eleitoral somente com votos próprios, de modo que somos “representados” por homens e mulheres que capturaram votos de legenda amparados por nossa jabuticaba eleitoral. Resultado: há candidatos sem mandato com mais votos próprios (e portanto mais representatividade) do que outros que foram carregados pela legenda e hoje exercem mandato. Ademais, vários prefeitos, governadores e presidentes se elegem mesmo tendo enormes níveis de rejeição, pois o sistema de dois turnos corrige este efeito apenas parcialmente. Que país é esse? Que democracia é essa?

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A via negativa é, talvez, a única maneira de consertarmos a política no Brasil e ter os homens públicos servindo ao povo de fato. Se deixarmos como está, melhor acreditarmos em Deus Todo Poderoso e seus divinos atributos para nos salvar. Afinal, via positiva, Ele é brasileiro…

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