Um dos exercícios mais desafiadores dos meus tempos de mercado financeiro era separar o chapéu de cidadão daquele de investidor. Como brasileiro, podia querer enxergar um futuro melhor à frente, mas não devia deixar tal sentimento se misturar à análise de alocação de recursos. Ou seja, a torcida não tinha que se meter na análise, tal como no método científico abordado por Popper, em que se pretende refutar, em vez de comprovar, a teoria inicial.
Infelizmente, isso é mais fácil de falar do que fazer. Somos levados com frequência a um esforço involuntário de buscar confirmar as teses prévias que já temos, e deixar nossas emoções dominarem a razão. Ninguém aprecia muito o confronto com o contraditório, especialmente quando ele ameaça nosso mundinho “ordenado” por nossas ilusões. Queremos reforçar aquilo que desejamos acreditar, mesmo que os fatos gritem o contrário.
Aqueles que não criam o hábito de manter a mente aberta e chocar suas ideias com outras acabam aderindo a seitas fechadas, onde a quantidade numérica dos que já pensam parecido parece substituir a necessidade de embasamento das crenças. Os algoritmos do Facebook têm contribuído para essas igrejinhas, aumentando o grau de alienação em muitos.
No caso da eleição americana isso foi visível. Um jornalista brasileiro que mora em Nova York chegou a “garantir” que Trump perderia pois ele não conhecia um único eleitor do republicano. Em que pese o fato de que muitos tinham vergonha de abrir sua escolha pela reação da patrulha, a questão é que o jornalista confundiu sua bolha “progressista” com o mundo real lá fora. Ele lia o NYT, via a CNN e convivia apenas com outros que compartilhavam de sua visão de mundo.
Da mesma forma, muitos no “Projaquistão” acham que quase toda a população é pansexual, pois vivem nesse meio libertino. Os socialistas do Leblon pensam que o PSOL realmente fala em nome do povo. Diversos liberais confundem os eventos lotados do Partido Novo em regiões nobres com votos populares, enquanto os fãs de Bolsonaro acreditam que aeroportos abarrotados de militantes significam uma vitória final praticamente garantida, quiçá no primeiro turno, ainda que ela dependa dos votos dos moderados. Muitos estão trocando análise por torcida, e eis um grande convite à decepção. O fenômeno Bolsonaro é realmente forte, e numa disputa bastante pulverizada, isso praticamente o coloca no segundo turno. Mas ainda é cedo para dizer o que vai acontecer.
O quadro que vai se desenhando parece ser um em que sobram poucas alternativas concretas aos liberais, lembrando que o mais importante, agora, é derrotar o esquerdismo, verdadeiro câncer do Brasil. O que queremos, porém, não necessariamente é o que vai acontecer. Política é a arte do possível.
Texto originalmente publicado na revista IstoÉ