Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Nos anos que imediatamente antecederam meu ingresso à faculdade, bem como no seu começo, sempre estive a favor do colunista da VEJA, Reinaldo Azevedo, autor de O País dos Petralhas, diante dos ataques constantes que o via receber na universidade. Achava – e continuo achando – que ele era um articulista talentoso, capaz de irritar profundamente as esquerdas radicais por ser uma das poucas vozes a questionar sem dó suas articulações políticas.
Reinaldo se portou como guerreiro em seus textos, combatendo as artimanhas do petismo com desenvoltura e até, nalguns momentos, certa poesia. Estava certo de ser esse o único motivo para merecer o escárnio e a zombaria com que era tratado. Eram de sua autoria algumas das melhores sentenças e definições irônicas do entulho lulista. Não que concordasse com ele o tempo todo, e é natural sempre haver alguma discordância entre duas pessoas que se dispõem a verdadeiramente pensar; mas eu o admirava como colunista.
De uns tempos para cá, porém, a partir do momento em que Lula e Dilma se reduziram aos trapos que merecem ser, comecei a pensar que Reinaldo estava um tanto esquisito em sua eleição de prioridades. Quando teceu suas primeiras críticas a Sérgio Moro e aos procuradores da Lava Jato, observei aquilo com cautela e respeito. Não endosso qualquer discurso, afinal de contas, que santifique pessoas e as torne automaticamente impolutas, por maiores sejam os seus méritos; Moro e os procuradores podiam e podem, de fato, estar equivocados em alguns aspectos. Por que não criticá-los, se este fosse o caso?
O prosseguimento das publicações de Reinaldo, porém, mudou bastante a minha percepção. Percebi que, na contramão de muitos articulistas e colunistas, diante de todos os nossos problemas, ele elegeu as figuras por trás da Operação Lava Jato como alvos prediletos de seus vitupérios, como que numa verdadeira perseguição inveterada. Chovem acusações de que seja tucano, e me sinto bastante desconfortável em fazer ilações sobre sua ética profissional, mas é impossível não vir à cabeça a triste dúvida se, no momento em que quase todos os partidos, e não apenas o PT, ficam com a água no pescoço nas delações avaliadas, a recorrência dessas publicações se tornou tão intensa.
Quando quase todos estavam torcendo para Carmen Lúcia homologar as delações da Odebrecht, Reinaldo deu um chilique na Jovem Pan, taxando-a de aventureira; sobre Donald Trump, ele engole todas as deformações que a imprensa de esquerda fabricou a respeito; numa das últimas de sua lavra, escrachou Moro por ter comentado à imprensa, em nota protocolar, depois de questionado insistentemente, que Fachin é um jurista eficiente e de elevada qualidade. Isso, para ele, foi ir “além das sandálias”. Moro estaria muito vaidoso. Ninguém compreende a lei, apenas ele, Reinaldo, e os especialistas que consulta. Sua forma de criticar quem mereceria um pouco mais de consideração e alardear certezas jurídicas, particularmente na rádio, quase como, com o perdão da expressão, uma franga tendo um ataque histérico, só o tornou ainda mais antipático aos meus olhos.
Agora, comentando o governo Temer, Reinaldo, que se diz liberal, acredita quase em que não é relevante a palhaçada de aumentar o número dos ministérios, abrigando uma desembargadora no Ministério de Direitos Humanos – como se lei já não houvesse – e Moreira Franco, oportunamente premiado com um foro privilegiado, na Secretaria Geral da presidência, alçada a Ministério. Une-se àqueles que me decepcionam ao emular os petistas e fechar os olhos para os eventuais malfeitos de tucanos ou peemedebistas.
Tudo isso, a meu ver, é um erro grosseiro de posicionamento, mas ainda pode ser visto como bastante subjetivo; o mesmo não se pode dizer de bobagens como a que segue, em que, comentando a reeleição de Rodrigo Maia para a Câmara – que, justiça seja feita, Reinaldo afirmou ter sido ilegal -, o colunista disse: “é certo que eu e Maia pertencemos a um mesmo universo mental em matéria de política: somos liberais – o que se chamaria na Europa de ‘conservadores’ e, nos EUA, de ‘direita’. Infelizmente, no Brasil, rematadas bestas reivindicam essa condição e só criam embaraços à agenda liberalizante, com seus direitos fascistoides e regressivos”.
O que Reinaldo diz é de tal maneira uma enormidade de bobagens que fica difícil definir por onde começo. Em primeiro lugar, é discutível se o que é chamado de “liberal” no Brasil é chamado de “conservador” na Europa e de “direita” nos EUA; esse é o tipo de frase que não diz coisa alguma, porque esses termos têm um uso tão elástico entre nossos pobres tupiniquins, quiçá no resto do mundo. Contudo, se é para nos preocuparmos com o que se diz por aí ou como as coisas são chamadas, aquilo que a imprensa mundial faz, e Reinaldo aqui, sub-repticiamente, também, é chamar qualquer coisa que esteja “à direita” de tipos como Rodrigo Maia de “extrema direita” ou “fascista”.
A “direita saudável”, para Reinaldo Azevedo, é Rodrigo Maia, do partido Democratas do Rio – cujo pai fez, há pouquíssimo tempo, campanha em nome da legenda no estado clamando por um “governo público” e contra as privatizações. Rodrigo Maia que foi eleito em entusiástico apoio tanto do governo quanto de forças à esquerda que desejam manter engavetadas coisas como a CPI da UNE. Rodrigo Maia que é uma figura tão “liberal” que se ornou de pedantismo quando disse que quem manda na Câmara é ele, quando o relatório da Comissão que julgou o pacote de 10 medidas chegou à casa legislativa, como se fosse uma espécie de ente superior e o povo que assinou (certo ou errado) o tal pacote não fosse o mesmo a pagar seu salário.
Quer dizer que qualquer um que esteja à direita de figuras fisiológicas como Rodrigo Maia – fisiológicas e sem qualquer carisma, diga-se de passagem –, com quem o próprio Reinaldo se compara, é um fascista? Então quer dizer que Rodrigo Maia é a referência de liderança saudável da direita para Reinaldo Azevedo, e ambos, na cabeça do colunista, são a mesma coisa que, digamos, os Republicanos dos Estados Unidos e os conservadores britânicos. Rodrigo Maia seria uma Margaret Thatcher ou um Ronald Reagan. É isso?
Reinaldo Azevedo, você está bem?
Comentário do blog: Também tenho notado, como milhares de leitores meus, mudanças estranhas no comportamento e nas ideias de Reinaldo Azevedo, que foi meu colega de VEJA e por quem sempre tive admiração e respeito. Sobre o tema “liberalismo” e “conservadorismo” em si, só posso recomendar, a todos interessados no assunto e também ao próprio Reinaldo, meus dois cursos, “A Trajetória das Ideias Liberais” e “Civilização em Declínio: salvando o liberalismo dos ‘liberais’“, em que aprofundo tais questões de forma a elucidar tantas confusões frequentes por aí.