Já publiquei aqui vários textos com argumentos em defesa do Brexit, da escolha dos britânicos, em plebiscito democrático, de sair da UE. Há, claro, bons argumentos contrários a essa decisão também, já que não se trata de um tema simples, o que deveria servir para rejeitar as análises simplistas, do tipo “só ignorantes, movidos pela xenofobia, votaram pela saída”.
Demétrio Magnoli, um sociólogo de esquerda que tem o meu respeito, apresentou alguns desses argumentos legítimos em sua coluna de hoje. Discordo dele, como em muitas ocasiões, mas é alguém com quem se deve manter um diálogo construtivo. Diz Demétrio:
Atrás do resultado do plebiscito, espreita uma “excepcionalidade inglesa” incrustada no passado distante. Os defensores do Brexit insistiram na ideia de “recuperar o controle”, tocando no nervo sensível do conceito de soberania. Desde a Magna Carta, a Inglaterra elaborou uma identidade política organizada em torno de um foco único de soberania, que é o Parlamento. Na Europa continental, em contraste, a autoridade política dividiu-se em complexas camadas superpostas, entrelaçando ducados, principados e reinos. A submissão parcial do Parlamento nacional a Bruxelas — isto é, às instituições europeias — nada tem de chocante na experiência histórica alemã, mas representa uma anomalia para os ingleses. Nesse sentido, é temerário prever que o Brexit produza efeitos em cascata, derrubando uma a uma as peças que formam a coleção da UE.
A “história profunda” conta, mas existe a história recente. O projeto da unidade europeia recebeu impulso decisivo do “fator Stalin”, ou seja, da percepção de que a URSS representava uma ameaça existencial às democracias ocidentais. O Tratado de Paris de 1951, ponto de partida da aventura europeia, foi firmado apenas dois anos depois do Tratado do Atlântico Norte, que criou a Otan e conectou aos EUA o destino geopolítico da Europa Ocidental. A Otan, por sua vez, nasceu no berço da primeira grande crise da Guerra Fria: a bipartição da Alemanha em dois Estados. “Europa”, na Guerra Fria, significava uma fortaleza protegida pelos mísseis americanos e pelas instituições supranacionais da Comunidade Europeia. O Reino Unido, que ingressou nessa fortaleza sob a dupla pressão de Washington e do desmantelamento do Império Britânico, decide abandoná-la quando já não mais existe a ameaça original.
Sim, o Reino Unido não gosta da ideia de abandonar seu poder para o poder distante de Bruxelas, e está certo nisso. Sim, a UE surgiu para tentar trazer paz para a região após tantas desgraças, mas seu papel nessa conquista parece supervalorizado. Sem o poderio americano ali, nada seria possível. E o casamento político forçado não é garantia de paz no convívio. Talvez seja até o contrário. O debate é legítimo, porém.
Mas você sabe que os britânicos tomaram a decisão acertada quando aparece um socialista como Verissimo, defensor do PT, para lamentar sua escolha, culpar o “populismo” (nessa hora a esquerda odeia a democracia e o povo), e aproveitar para elogiar Karl Marx no caminho. É um show de horror! Vejam:
Se a União Europeia foi uma das melhores invenções da humanidade depois da escada rolante e do pudim de laranja, é triste ver a Inglaterra liderando o que pode muito bem ser o começo do fim da comunidade. A velha Inglaterra de Cromwell e os primeiros suspiros republicanos, do parlamentarismo espalhado pelo mundo junto com as canhoneiras, da Revolução Industrial e científica, dos poetas, de Shakespeare, dos Beatles, meu Deus, da Kate Winslet! — dando um passo atrás e recolhendo-se ao seu isolamento. E pior, pelo medo de estrangeiros, logo ela, que levou o terror do imperialismo branco a todos os cantos da Terra.
Foi a intensa cobrança feita no Parlamento inglês que, finalmente, levou à Abolição da Escravatura, não por qualquer questão econômica, mas por uma imposição moral. A resistência inglesa aos ataques da Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial inspirou o mundo. Talvez tenha sido uma nostalgia atávica do sentimento que manteve a ilha sem ajuda mas unida durante os ataques que inspirou o voto populista, agora. Seria melhor se a inspiração viesse da luta pelo fim da escravatura.
Foi na sala de leitura do British Museum em Londres que Karl Marx escreveu boa parte do “Das Kapital” e desfiou suas ideias sobre uma comunidade humana unida pela solidariedade e pela justiça, sem fronteiras nacionais ou de classes. O sonho utópico de Marx era uma união pelo comunismo, mas só a parte sobre a solidariedade sem fronteiras já serviria, se o populismo não tivesse ido longe demais. Triste, triste.
Triste é ver esses “intelectuais” tupiniquins defendendo o marxismo em pleno século XXI, tentando enganar trouxas com esse papo de “solidariedade”. Triste é ver alguém dizendo que os britânicos escolheram o isolamento, e não a independência. Triste é ver o espaço que alguém tão limitado como Verissimo tem nos jornais brasileiros, o que explica muito de nosso fracasso fabricado. Triste mesmo, mas muito triste, a ponto de se tornar hilário, é ver um defensor do PT querendo dar aulas de democracia para os ingleses. Para os ingleses!!!
Verissimo certamente lamentou quando os conservadores Churchill e Thatcher chegaram ao poder no Reino Unido, para salvar a nação do caos. Verissimo só não é mais ridículo por falta de mais espaço ainda na imprensa. Se ele tivesse uma coluna diária em dez jornais, em vez de escrever “só” umas 4 vezes por semana em uns 3 jornais importantes, sem dúvida ele provaria que o céu é o limite para tanta falta de noção e bom senso. O pobre e ignorante britânico deveria escutar mais o sábio e esclarecido Verissimo. Quem sabe assim o Reino Unido não poderia ser uma potência como a Venezuela!
Rodrigo Constantino