Por Gabriel Wilhelms, publicado pelo Instituto Liberal
A relação conflituosa de Bolsonaro com a mídia já vem de longa data, mesmo antes de assumir a presidência. O presidente sempre acusou os veículos de tentarem desestabilizá-lo e a retórica se tornou ainda mais forte depois que tomou posse com um discurso sectarista do tipo “Eu ganhei, vocês perderam”, identificando, portanto, a imprensa como um inimigo que teria sido derrotado nas urnas.
A nova polêmica que está alimentando a ira do presidente é a reportagem do Jornal Nacional que documenta que Élcio de Queiroz, um dos suspeitos pelo assassinato de Marielle Franco entrou no condomínio onde vive o também suspeito Ronnie Lessa e onde Bolsonaro é proprietário de duas casas. Segundo o porteiro, Élcio teria dito que pretendia visitar o então deputado Jair Bolsonaro e que este confirmou a visita por telefone. Ao entrar no condomínio, Élcio seguiu para a casa de Ronnie Lessa ao invés da residência de Bolsonaro. Ainda, a reportagem atesta que o então deputado estava em Brasília nesse mesmo período, impossibilitando que seja ele quem tenha atendido ao telefone.
A reportagem envolve o nome do presidente na investigação, mas não significa que ele seja culpado de coisa alguma. O presidente, no entanto, reagiu com a sua costumeira cólera e até fez uma de suas lives no Facebook para atacar a Globo.
O ponto aqui não é discutir o conteúdo que a reportagem traz ou tentar estabelecer juízo de valor sobre isso, mas usar o caso como um exemplo da relação conflituosa entre o presidente e a imprensa.
Para que o Jornal Nacional ou a Globo merecessem a alcunha de canalhas, que o presidente lhes imputa nesse caso, seria necessário que os fatos tivessem sido inventados ou deliberadamente alterados. A reportagem, no entanto, se baseia em registros da portaria do condomínio e no acesso ao que o porteiro relatou à polícia. Notem que em nenhum momento a reportagem afirma o envolvimento do presidente no assassinato, dando sim destaque para o fato de que Bolsonaro estava em Brasília, contradizendo o depoimento do porteiro.
A menos que o presidente possa provar que a reportagem mentiu sobre ter tido acesso às informações ou que as tenha alterado a seu bel-prazer, o presidente tão-somente vocifera contra a mera divulgação, como se a imprensa devesse se abster de divulgar coisas que soem incômodas ao presidente ou a seu governo.
Muitos se juntam a Bolsonaro em seu coro contra a imprensa. A acusação é de que a grande mídia é majoritariamente esquerdista, tendenciosa e que se mancomuna para atacar o governo. Não vou entrar no mérito de se veículo X ou Y tem ou não “tendências esquerdistas”, mas basta dizer que esses mesmos veículos também recebiam acusação semelhante da esquerda durante a era petista. Ou por acaso a grande mídia ignorou o mensalão, noticiado exaustivamente? O mesmo vale para a Lava Jato, ou quando até pouco tempo atrás a esquerda acusava a Globo, Folha, Estadão e a mídia no geral de tentarem derrubar a Dilma.
Se houvesse mesmo tal articulação, algo como um “cartel de informações”, isso, de maneira perigosa, poderia validar a tese de alguns de que um oligopólio no setor de comunicações justificaria uma “regulação econômica da mídia”. Claro que rejeito essa tese, assim como rejeito a tese da articulação. Sim, você sempre poderá encontrar casos específicos de “tendencionismo”, mas isso passa longe de provar que tudo que é publicado sobre o governo tem essa insígnia. Não, afirmo aqui categoricamente que, na maior parte das vezes, como o caso em tela prova, quando o presidente e seus sequazes se queixam de “perseguição” da imprensa, estão pura e simplesmente se queixando da mera publicação de matérias que lhes incomodam e que preferiam não ver publicadas.
Se fosse essa somente a postura dos militantes ainda, mas é o próprio presidente em pessoa quem encarna a “vítima” da suposta perseguição e escolhe o caminho beligerante de atacar o mensageiro ao invés de se concentrar na mensagem. Isso, por exemplo, não é coisa que deveríamos ver no perfil de um presidente da República, independente de concordância, ou não, de cada um:
Essa postura beligerante já se converteu em ameaças inaceitáveis, como a insinuação de que a Globo não conseguiria renovar sua concessão: “Vocês vão renovar a concessão em 2022. Não vou persegui-los, mas o processo vai estar limpo. Se o processo não estiver limpo, legal, não tem renovação da concessão de vocês, e de TV nenhuma. Vocês apostaram em me derrubar no primeiro ano e não conseguiram”. Conseguem lembrar de algum presidente que não renovou a concessão de uma TV que julgava hostil a seu governo? Acertou quem disse Hugo Chávez…
Essa cólera infantil também já se manifestou em outras situações, como quando o presidente autorizou a publicação do balanço das empresas de capital aberto no Diário Oficial da União, desobrigando essas empresas de gastarem para publicarem nos jornais impressas. A medida em si foi boa, mas o presidente, em mais de uma ocasião, provocou a imprensa com ela, sempre de maneira sarcástica, corrompendo uma medida boa com uma motivação espúria e revanchista.
A turma que aplaude a postura beligerante do presidente é a mesma que o faz quando ele – ou o “Carluxo” – publica certos conteúdos espúrios em suas redes sociais e rejeitam os argumentos dos moderados, que taxativamente tratam por isentões ou mesmo comunistas, de que esse tipo de coisa causa instabilidade política. Apesar de elogiarem o sectarismo do presidente, argumentam que a imprensa deveria se abster de publicar certas coisas sob o argumento de que têm o potencial de causar instabilidades como as vivenciadas no Chile. É como se a os jornalistas tivessem mais responsabilidade pela estabilidade política do país do que o próprio presidente.
É claro que cada um pode consumir, ou não, o veículo de comunicação de sua preferência, mas o juízo de valor disso deve ser feito por cada um em particular, e certamente não pelo presidente e sua militância organizada. Assusta ver gente aplaudindo essa hostilidade à imprensa, pilar fundamental de uma democracia, e deliberadamente ignorando o fato de que o presidente fez sim ameaças, nada veladas, à livre imprensa. Gostar do veículo X ou Y é uma opção, mas nenhum liberal que se preze endossa ataques e ameaças de um presidente à livre-imprensa.