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Por Juliano Oliveira, publicado pelo Instituto Liberal

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“Diz uma frase famosa, muito citada: “O melhor governo é o que menos governa”. Esta não me parece uma caracterização adequada das funções de um bom governo. Compete a ele fazer todas as coisas para as quais ele é necessário e para as quais foi instituído. Tem o dever de proteger as pessoas dentro do país contra as investidas violentas e fraudulentas de bandidos, bem como de defender o país contra inimigos externos. São estas as funções do governo num sistema livre, no sistema da economia de mercado”. (Ludwig Von Mises. As seis lições).

Com estas palavras Ludwig von Mises iniciou mais uma de suas palestras ministradas, em 1959, na Universidade de Buenos Aires, palestras que foram reunidas num dos mais famosos e pequenos livros do autor liberal, As seis lições.

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Liberais sempre foram céticos em relação às ações do Estado em favor dos cidadãos. Como destacado no excerto que dá início a esse artigo, Mises era cético em relação aos poderes concedidos ao governo. Não era contrário à sua existência, mas defendia que suas funções deveriam ser limitadas à garantia da segurança nacional contra investidas violentas provenientes de inimigos internos ou externos.

No campo da economia, foi Mises quem descobriu que o cálculo econômico racional sob um sistema socialista, interventor e, portanto, conduzido por políticos, era impossível. Não havendo propriedade privada sob um regime de economia centralmente planejada e não havendo transações de livre mercado, seria impossível determinar preços para os diversos fatores de produção e para os bens e serviços resultantes de seu emprego. Neste aspecto, Mises falava de todo tipo de produto ou serviço. Segundo o economista, não importava se o produto fosse um simples alfinete ou um complexo sistema voltado para a prestação de serviços de saúde. O arranjo produtivo de ambos os itens deveria estar sujeito às leis do livre mercado sem as quais não seria possível produzir com qualquer eficiência um único alfinete ou, o que seria mais grave, oferecer amparo às vidas necessitadas de cuidados médicos.

Aliás, é aqui que considero importante manifestar meu espanto com a defesa quase apaixonada que alguns liberais têm feito da necessidade de um confinamento para que não haja colapso de uma saúde estatal que, segundo a própria análise misesiana, sempre terá como marca registrada o completo imobilismo decorrente de regulamentações estatais.

Com essa breve descrição a respeito do liberalismo clássico de Ludwig von Mises busco mostrar que, aparentemente, todo o ceticismo em relação ao Estado e tudo o que liberais sempre souberam a respeito das trapalhadas que as intervenções estatais causam na organização espontânea da sociedade foram abandonados nesse período de pandemia.

A prova mais evidente desse abandono concentra-se na defesa romântica e ingênua que muitos liberais têm feito da quarentena e demais medidas draconianas impostas pelo Estado durante a crise do coronavírus. Tomados pela histeria e pelo pânico infundados (aliás, o fato de eu dizer que o pânico e a histeria são infundados deve me render a alcunha de herege, negacionista e/ou irresponsável), depositaram na lata do lixo toda uma vasta bibliografia que trata dos perigos de um estado controlador que não perderia jamais a oportunidade de estender seus tentáculos sobre os mínimos detalhes de nossas vidas em situações de excepcionalidade.

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Emergências sempre foram o pretexto sobre o qual as salvaguardas da liberdade individual foram corroídas – e uma vez suspensas, não é difícil para quem assumiu tais poderes de emergência assegurar que a emergência persista”, eis o recado de Hayek. Se liberais, que sempre foram céticos em relação à qualidade e à necessidade dos serviços prestados pelo Estado passaram a fazer eco às vozes que clamam pela ditadura do confinamento e pela saúde estatal (esta, como citei no início do artigo, também está sujeita à necessidade do cálculo econômico, assunto que, para não me alongar, pretendo explorar com mais detalhes noutro artigo), não seria o caso de dizermos que o liberalismo no Brasil foi tomado pelas paixões que incendeiam os movimentos de esquerda?