Um presidente inacessível a seus colaboradores mais qualificados, por causa da intervenção de jovens que filtram o acesso a ele; o planejamento estratégico do país deixado de lado por falta de apoio do Ministério da Economia; a principal autoridade da República cada vez mais isolada pela coleção de amigos que se tornaram inimigos. Esse é o cenário descrito pelo general da reserva Maynard Santa Rosa, que demitiu-se da Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Bolsonaro no início de novembro. Ele concedeu entrevista a Chico Alves, do UOL. Seguem alguns trechos:
No início, [tive acesso direto ao presidente Bolsonaro]. Depois foi ficando mais difícil, porque o presidente se cercou de um grupo de garotos que têm entre 25 e 32 anos que fazem uma espécie de cordão magnético em torno e filtram o acesso. Então, começou a ficar difícil.
Perguntado sobre quem são esses "garotos" que filtram o acesso, o general respondeu:
É o Filipe Martins (Filipe G. Martins, assessor especial da Presidência da República) e essa turminha que controla as redes sociais. Tem mais outros. Eles não alegam nada, simplesmente protegem e não chega na agenda do presidente.
Sobre sua avaliação acerca dos talentos de Filipe Martins, Santa Rosa disse:
Ele tem capacidade, tem potencial, mas não tem experiência. Não era ele que deveria dirigir a política de Relações Exteriores do Brasil. Deveria ser o Ministério de Relações Exteriores. Mas, infelizmente, é isso que está acontecendo. Isso faz com que o presidente não tenha uma visão do cenário condizente com a necessidade estratégica do país.
Sobre a saída de Santos Cruz, Santa Rosa confirmou a tese de que o problema ocorreu devido às divergências sobre destino de verbas da Secom:
O Santos Cruz, devido às operações que ele fez no Haiti e depois no Congo, tornou-se um cara muito respeitado no mundo, tanto que de vez em quando o secretário-geral da ONU liga para ele para pedir opiniões. Ele não é conhecido no Brasil, mas no mundo é. Ele saiu por razões pequenas, que nada tinham a ver com assuntos de Estado. Simplesmente porque queria controlar as verbas da Secom e o Carlos Bolsonaro queria direcioná-las. Ele não aceitou e terminou se indispondo.
Já sobre o presidente Bolsonaro e seu governo, eis a mensagem que o general deixa para reflexão:
O presidente é honesto, é idealista. Falta um pouco de consistência. Ele vai ter que entender mais para a frente que governar é muito mais que uma ação entre amigos. Torço para que o governo dê certo, mas se acontecer vai ser por acaso. Não há uma integração, uma ação planejada. Poderá dar certo pela qualidade dos ministros, pelo empenho do pessoal que está focado em suas áreas específicas. Não por uma questão de planejamento.
O general, com a típica mentalidade militar, acredita muito numa estratégia concebida "top-down", como durante o regime militar, mais centralizada. A equipe liberal de Paulo Guedes discorda e prefere uma abordagem mais descentralizada, "bottom-up". Nisso concordo com Guedes.
Mas os alertas feitos por Santa Rosa, especialmente sobre o cordão de isolamento criado em torno de Bolsonaro, continuam válidos. Um presidente que se cerca de jovens bajuladores e ambiciosos, além de inexperientes, e acaba se blindando contra conselheiros mais experientes e independentes, dificilmente absorverá as melhores sugestões.
Como não canso de repetir, a ala mais ideológica, dominada pelo guru Olavo de Carvalho e com forte influência sobre os filhos do presidente, mostra-se o maior obstáculo para o possível sucesso do governo Bolsonaro.
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