Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Em meio às convulsões que tensionam a América Latina, a Bolívia se destacou pela remoção do poder de um dos mais icônicos líderes bolivarianos, representantes do baqueado bloco de esquerda no continente. Após quase 14 anos no governo, Evo Morales renunciou.
Renunciou sob pressão, porque o país se viu tomado por manifestações envolvendo choques violentos e as Forças Armadas e policiais resolveram, ao menos em proporção suficiente, “comprar a briga” dos que se opunham ao presidente. O motivo? Explicitou-se, conforme entendimento da própria Organização dos Estados Americanos, que, depois de ter manipulado uma Suprema Corte adestrada para garantir a possibilidade ilegal de mais um mandato, Morales estava fraudando o processo eleitoral.
Muitos, como de praxe, consideraram um “golpe” o que aconteceu na Bolívia, com elementos militares basicamente “forçando” a renúncia do presidente em meio ao risco de caos social. Foi um golpe – no caso, contra a Constituição de 1937 – o ato de alguns militares, entre eles os próprios Eurico Gaspar Dutra e Góis Monteiro, que figuraram entre os criadores do regime então em vigência, de “forçar” o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, a renunciar em 1945. Evidente. O detalhe? O tal presidente era um ditador, na ditadura mais completa que o Brasil já teve.
O liberalismo não pode ser usado, tal como diria Carlos Lacerda, como pretexto abstrato para defender a “democracia liberal” onde o que apenas existe é o seu rótulo servindo de ferramenta para ditadores, subvertendo-lhe o espírito, preservarem apenas a referência a ela como um slogan vazio. No caso de 1945, tínhamos, com o Estado Novo, o “presidencialismo puro”, isto é, “todo o poder ao presidente”. Vargas estabeleceu constitucionalmente sua própria tirania. Por mais que o constitucionalismo seja um valor liberal, ele o é na medida em que as Constituições devem existir para dividir poderes e garantir o resguardo de direitos. Como respeitar uma Constituição que confere todo o poder ao Estado e, particularmente, ao líder?
No caso da Bolívia, formalmente não há um “presidencialismo puro” como o varguista, mas de que adiantam as belezas da retórica se o dito presidente podia, na prática, engambelar a sociedade e as instituições manipulando o resultado eleitoral e brincando com o Poder Judiciário como se fosse coisa sua? A “democracia” de Morales, com a qual postulava mais um mandato, era e é uma farsa que não pode ser evocada como argumento sério por liberais realistas. O que aconteceu na Bolívia foi uma insurreição contra a tirania, e contra a tirania todos os liberais devem ou deveriam estar. Diria Carlos Lacerda que, infelizmente, em alguns lugares da América Latina, a vitalidade da democracia só pode ser verificada se os resultados eleitorais não são aceitos, em vez do contrário, que é o que se esperaria. Para tomar um exemplo extremo, aceitar as eleições de Cuba não é dar prova de vitalidade democrática naquela triste ilha caribenha…
As ferramentas ortodoxas não eram capazes de proteger a Bolívia da ditadura e muito bem fizeram todos que contribuíram para esse desfecho. Porém, as notícias nos permitem tomar conhecimento de que Morales, asilado no México – terra que elegeu o esquerdista López Obrador – deseja voltar à Bolívia e terminar o seu mandato. Jeanine Añez, presidente interina do país, promete convocar novas eleições. Morales garante que voltará apenas para terminar seu prazo no poder e “estar com o povo que resiste à ditadura e ao golpe” – do mesmo jeito que Lula e o PT estão livres, leves e soltos, hoje, para “resistir aos neoliberais do mal e aos terríveis facínoras que aplicaram um golpe na companheira Dilma em 2016” (tsc).
Minha dica para os bolivianos – que, na verdade, é uma lição de Carlos Lacerda: não permitam! Lacerda disse que, em 1945, quando Getúlio foi deposto, a permanência da máquina construída por sua ditadura e dele próprio em atividade, em pleno curso e com direitos políticos, facilitaria a manutenção das mesmas forças no poder. O próprio ditador poderia voltar – e não deu outra: retornava Vargas em 1950 como presidente eleito. As circunstâncias são outras e o país é outro, mas há perturbadoras semelhanças e o princípio é o mesmo.
É preciso banir Evo Morales da vida política e desmontar a máquina que lhe permitiu fraudar a eleição e garantir via Suprema Corte a tentativa ilegal de um novo mandato. Ele precisa ser investigado e processado por seus crimes contra a democracia boliviana. Precisa estar afastado de qualquer possibilidade de interferência no processo eleitoral. Se um país trata o seu ditador que sai de cena como alguém que apenas aprendeu uma lição e deixou a vida seguir, apenas está preparando sua forca logo adiante. Que os bolivianos não façam isso!
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