A euforia da oposição durou pouco, menos de um dia. Subiram a hashtag perguntando quem estava na casa 58, insinuaram que Bolsonaro era mesmo o mandante do assassinato da vereadora socialista Marielle Franco, e comemoraram a reportagem do Jornal Nacional como uma bomba que explodira no colo do presidente.
Em menos de 24 horas tudo se inverteu. O que era bastante inverossímil desde o começo se mostrou mesmo uma farsa, uma grande mentira. O porteiro mentiu. Faltava lógica para a história, faltava motivo, faltava evidência. Ainda assim o JN decidiu ir adiante com a reportagem, o que pode ser compreensível pelo desejo do "furo", ainda mais envolvendo um presidente e uma morte que gerou muita comoção - em boa parte estimulada pela própria Globo.
Mas era melhor ter optado pela maior prudência. Um dia a mais de espera poderia até ter colocado em risco o "furo" exclusivo, mas seria suficiente para desmontar a narrativa do porteiro. E teria evitado muito desgaste, muito barulho, muita fúria. Diante do potencial estrago de uma notícia dessas, a cautela extra era recomendável. Talvez o viés ideológico tenha falado mais alto.
Nos Estados Unidos foi a mesma coisa com Trump, desde o começo. A mídia mainstream, com extrema má vontade, busca bombas contra o presidente republicano desde o primeiro dia de mandato. No suposto conluio com os russos, encontrou um fio a ser seguido que poderia levar ao impeachment até. Investiu pesado nisso, por dois longos anos. Até o relatório final de uma ampla investigação render absolutamente nada. A credibilidade da imprensa já estava chamuscada, e faltou um pedido de desculpas.
O JN dedicou um bloco inteiro ao tema Marielle nesta quarta. O jornal estava na defensiva, tentando reverter o erro. Ou seja, sentiu o golpe. Era melhor admitir que foi, no mínimo, apressada. Ou irresponsável mesmo. É verdade que a primeira reportagem mostrou que Bolsonaro não se encontrava no Rio, não poderia ter atendido o porteiro. Mas era óbvio que o conjunto em si seria suficiente para causar rebuliço e deixar os opositores assanhados, como de fato aconteceu. O JN tinha obrigação de saber disso.
Bolsonaro sai fortalecido dessa história toda. Brasileiro adora uma vítima, e o presidente foi visto como alvo de uma perseguição política, de uma armação. Mesmo sua reação "descontrolada" foi vista como genuína, um desabafo legítimo de quem foi atacado em sua honra de forma caluniosa. Sua militância mais radical ficou em polvorosa, pregando guerra aberta contra a mídia, com alguns defendendo até o método chavista de não renovar a licença da Globo. Já os moderados, mesmo aqueles que vinham criticando bastante o governo, tomaram o lado do presidente, pois viram o oportunismo da esquerda diante do caso.
Carlos Bolsonaro também sai fortalecido dentro do bolsonarismo, por ter sido aquele que provou a mentira do porteiro em primeira mão. Ele chegou a escrever: "Sou seu soldado há quase 20 anos e isso não vai mudar, independentemente do que vier. Estou preparado!". Carlos comanda a rede social do pai, e é o responsável por ataques constantes e agressivos contra desafetos.
O efeito da reportagem, portanto, foi como um bumerangue: se a intenção era enfraquecer Bolsonaro, o resultado acaba sendo o oposto, e ajudou justamente a ala mais extremista do bolsonarismo, que encontrou pretextos para sua guerra declarada contra a imprensa em geral.
É um fenômeno similar ao que se observa nos Estados Unidos. Trump avança em sua retórica contra a mídia, que seria uma fábrica de Fake News, e o público vai ao delírio, pois a credibilidade da imprensa anda mesmo em baixa.
O discurso contra o jornalismo é perigoso, e nenhum governante aprecia a liberdade de imprensa. O apresentador William Bonner leu nota da TV Globo ontem, alfinetando o presidente por ele não compreender o papel do jornalismo sério. É em parte verdade, e basta ver quem os bolsonaristas consideram "mídia independente": aqueles sites bajuladores e subservientes ao governo.
Mas caberia também uma autocrítica da mídia, uma reflexão acerca de seu viés, pois o público não é bobo e percebe essa pré-disposição a ser menos cauteloso na hora de atacar a direita. Talvez um Lula merecesse o benefício da dúvida e ganhasse um dia a mais de verificações. Provavelmente uma Marina Silva teria esse privilégio. Em se tratando de Bolsonaro, a fome se juntou com a vontade de comer, e se ignorou que o apressado come cru.
Como nos desenhos do papa-léguas dos meus tempos de criança, o coiote "esperto" acendeu a bomba para jogar em cima do fujão, só para vê-la explodir em cima dele mesmo. Esse tipo de coisa ajuda a ala mais radical do bolsonarismo. O viés da mídia é o melhor cabo eleitoral de Bolsonaro.