Comentei nesta quarta, em tom positivo de aprovação, a notícia de que o ministro Paulo Guedes pretende costurar um acordo de livre comércio com a China. A guinada ao pragmatismo por parte do presidente Bolsonaro, que antes dizia que a China queria comprar "o" Brasil, demonstra maturidade e choque de realidade. É preciso gerar crescimento, e ele depende de uma cadeia cada vez mais integrada de produção, com nossas empresas inseridas na globalização. A abertura comercial deve ser celebrada, portanto.
Dito isso, percebi que a imensa maioria dos formadores de opinião focou nesse aspecto do pragmatismo, deixando de lado outros pontos importantes. Há mais do que comércio na vida. É preciso lembrar com quem estamos lidando, o que está em jogo do ponto de vista moral, focando no longo prazo.
A analogia evidente é com a Guerra Fria. Naquele mundo bipolar, havia os Estados Unidos lutando pelo sistema capitalista liberal, e a União Soviética tentando impor o socialismo imperialista. Não resta dúvidas de que qualquer nação livre deveria torcer pela vitória americana, apoiar, com clareza moral, o lado certo nessa disputa.
Em nome do pragmatismo comercial, muitos líderes fizeram vista grossa ao avanço do nazismo na década de 1930, quando já tinham tomado conhecimento das atrocidades cometidas pelos criminosos no poder na Alemanha, sabiam até de campos de concentração. Em nome do pragmatismo, Chamberlain queria negociar com Hitler. Até onde deve ir o pragmatismo na geopolítica?
É importante fazer essa pergunta, especialmente quando tantos jornalistas aplaudem o pragmatismo como sinal de sabedoria, chamando de "ideologia" tudo aquilo que é ligado às questões morais. O mundo, porém, torna-se um lugar mais ou menos seguro dependendo de quem representa o poder hegemônico, o "xerife" do planeta. Espero que ninguém tenha dúvidas de que um mundo dominado pelo Tio Sam é melhor do que um mundo dominado por Putin ou pelo Partido Comunista Chinês. Foram tempos de relativa tranquilidade e prosperidade a Pax Romana, a Pax Britanica, e agora a Pax Americana. Se é para ter alguém no comando, melhor que seja um país decente, em comparação às alternativas, claro. Quando o xerife fala manso, os inimigos da liberdade ficam mais ousados e destemidos...
A Rússia interfere em questões domésticas da América Latina, sustentando o regime nefasto de Maduro, e Putin condenou o "golpe" contra Evo Morales. Isso para não falar dos abusos com seus vizinhos, na Chechênia, na Crimeia, na Ucrânia. Já a China representa constante ameaça para a liberdade de Taiwan, tem se mostrado opressora com Hong Kong, ignorando acordo com ingleses e população local, e praticamente dizimou o Tibete. Isso sem falar da opressão interna e do apoio crucial que dá para a sobrevivência do regime mais cruel do planeta, na Coreia do Norte.
Ou seja, nesse tabuleiro político global, é fundamental não perdermos a clareza moral de quem representa a liberdade, o livre mercado e o império da lei, e quem representa uma ameaça a tudo isso, aos valores mais caros ao Ocidente. Não precisamos rejeitar acordos comerciais, claro, nem fechar os olhos para as vantagens do pragmatismo. Desde que não se perca de vista o essencial. E o essencial transpassa o lado puramente material, envolvendo os valores que definem nossa identidade, a começar pelo apreço pela liberdade.
Vamos ter um teste importante no ano que vem, com o leilão do 5G. A gigante chinesa Huawei vai ou não participar? Seu slogan é "criando um mundo totalmente conectado e inteligente". E não assusta um pouco a ideia de uma empresa chinesa ter tanto poder e controle em tecnologia de outros países? Devemos dormir igualmente tranquilos se uma empresa americana ou outra chinesa, obviamente ligada ao PCC, detém tanto poder? Não parece ingenuidade achar que tudo é uma mera questão comercial?
Em suma, sou favorável a cada vez mais abertura comercial, mais acordos bilaterais, mais globalização. Mas não penso que devemos ser indiferentes aos jogos de poder na geopolítica, pois é evidente que seremos impactados dependendo de quem assume maior protagonismo nesse cabo de guerra. Ronald Reagan nunca lidou com o "eixo do mal" como se tudo fosse puramente assunto econômico; ele tinha clareza moral, como Trump demonstrou ter em seu melhor discurso até hoje, em Varsóvia, defendendo os valores da civilização ocidental. Se dependesse de um pusilânime "pragmático" como Jimmy Carter, talvez todos estivéssemos falando russo hoje, atrás de uma cortina de ferro...
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS