Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Encarrego-me neste momento de uma tarefa peculiar: apresentar o conteúdo de um livro que não poderá ser comprado ou adquirido pelos nossos leitores e seguidores. Após algum tempo, finalmente pude ler a obra Comunidade Progresso, lançada por um dos colunistas mais populares e imaginativos do Instituto Liberal, nosso amigo artista plástico e arquiteto João César de Melo.
Acompanhei a luta de João para conseguir ver seu trabalho publicado, diante de problemas lamentáveis que experimentou com a editora Simonsen. Ao término de um longo entrevero com implicações judiciais, infelizmente, João conseguiu apenas que seu livro fosse enviado às pessoas que colaboraram com o financiamento coletivo, chegando com grande atraso. Não pôde vê-lo até o momento sendo comercializado para o grande público e distribuído nas livrarias.
Solidarizo-me, especialmente como autor, pela experiência desagradável que vivenciou, mas com ainda mais ênfase agora, quando pude me divertir atravessando as páginas da obra. Há algum tempo, meu mergulho na temática histórica e política não me vinha permitindo ler um bom romance. Comunidade Progresso oferece as duas possibilidades: é um romance, com fluidez, sensibilidade e muitíssimo bom humor, mas também é uma grande alegoria política do Brasil das últimas décadas.
O objetivo de João César é apresentar um ponto de vista liberal, com aderências libertárias, sobre os acontecimentos que se passaram no país desde os governos de Fernando Henrique Cardoso até o impeachment de Dilma Rousseff. É apresentar uma radiografia da insanidade ideológica, dos desvarios perpetrados nos campos intelectuais e culturais e da devastação político-econômica que marcaram a ascensão e queda do regime lulopetista.
É, sobretudo, servir de alerta para a possibilidade contínua de regresso da mesma loucura, explorando as dificuldades de comunicação do campo liberal e a construção de uma vasta operação que envolve as diversas esferas de expressão do imaginário para erguer uma redoma discursiva sedutora, em especial sobre os jovens. Através de exemplos que o autor consegue tornar bastante concretos, até dramáticos, ele denuncia a atmosfera de inclinação totalitária que por vezes se cria nos meios universitários, uma tragédia humana subestimada por quem considera que não há nada real nessas denúncias.
Comunidade Progresso é fruto da compreensão de João César acerca do verdadeiro conceito de “guerra cultural”, que consiste em procurar comunicar as nossas ideias através dos mais diversos mecanismos em que elas se podem veicular. Transcendendo os trabalhos teóricos, artigos de opinião e palestras, João resolveu recorrer ao mundo da ficção literária. Não é a primeira vez em que faz uso de alegorias e paródias hilárias da política contemporânea nacional; alguns de seus artigos para o Instituto Liberal têm sido amostras disso. O livro é apenas um passo além – e um excelente passo – dentro desse estilo.
O prefácio de Rodrigo Constantino, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Liberal, destaca que a obra oferece alertas atemporais – e tem razão. No entanto, pontuaria que a experiência da leitura será muito mais impactante, deliciosa e completa para quem tenha familiaridade com as peripécias brasileiras entre 1994 e 2016.
Partindo da premissa de que compreendemos melhor o que nos toca mais de perto, através de exemplos, João César ambienta sua trama no Condomínio Santa Maria, na verdade uma representação do Brasil em forma de condomínio. De FHC a Dilma, passando por Aécio Neves, Chico Buarque, Lula e Manuela D`Ávila, algumas das principais personalidades de nossas desventuras no mergulho ao abismo do “consenso social democrata” e da recessão estão ali representadas por personagens que desenvolvem a história em torno da disputa político-eleitoral para o cargo de síndico do condomínio. É uma versão brilhante dos episódios que todos nós vivenciamos de perto, com apenas uma grande diferença em determinado ponto da História, que não se pode adiantar para que não se estrague a surpresa, mas que permite entrever outras possibilidades de acontecimentos, reforçando o recado que o livro deseja passar e a importância das escolhas corajosas que tivemos de fazer para enfrentar esse estado de coisas.
O que vale para o “macro” vale para o “micro” e todas as apostas erradas que fizemos como nação estão ali retratadas naquele espaço reduzido, desnudando nossas misérias e os perigos da aposta no Estado-providência como salvador e redentor da humanidade. Meu destaque vai para os discursos da personagem que representa a presidente Dilma, ainda mais engraçados e bizarros que os de sua inspiração original (como se isso fosse possível) e para a personagem Rosa, que simboliza todos aqueles que, conscientes da importância da bandeira liberal, enfrentaram o período de delírio com a “ascensão do povo” ao poder para tempos “nunca antes” navegados “na história deste país”, emitindo alertas duros e necessários quando quase ninguém se dispunha a acreditar.
Quero começar com isso uma campanha para as editoras brasileiras: relancem o livro. O autor está à disposição. É uma ferramenta preciosa para popularizar o nosso discurso e, divertindo, ensinar, registrar um alerta para os riscos, muito reais, de que repitamos os nossos piores tropeços.
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