Em entrevista ao Estadão, a atriz e escritora Fernanda Torres diz que é preciso parar de só reclamar e que a classe artística deve buscar independência financeira fora do estado. Eis um trecho:
Muita gente na classe artística fala em desmonte da cultura.
Isso aconteceu em vários momentos no Brasil, não é só de agora. E existem questões curiosas. O discurso dos mamadores da teta não começou neste governo, começou anteriormente. Em determinado momento, criou-se a Lei Rouanet e o dinheiro para cultura foi direcionado para isenção fiscal. As empresas se organizaram todas para esse mecanismo. Só que talvez isso não seja bom, porque a cultura fica dependente do Estado. A cultura tem que buscar independência do Estado, outros mecanismos para sobreviver. Isso é importante. Eu estou num momento que eu não quero mais reclamar, entende?
Reclamar do governo atual?
É. Eu acho que é um governo legitimamente eleito. A cultura tem que buscar independência. É claro que muita a gente sofre num momento desses, mas ao mesmo tempo eu sou contra reclamar. Isso não quer dizer que a gente não deva se posicionar, mas a ação proativa é buscar independência. Alimentar essas questões só reclamando não é a solução.
Ela está certa. O mecanismo de isenção fiscal não é dos piores na teoria, pois não chega a ser um financiamento direto estatal, e sim um benefício fiscal para as empresas que investirem em arte e cultura. Na prática, porém, isso acabou produzindo muito esquema que privilegia a patota no andar de cima, aqueles que já estão estabelecidos e gozam de prestígio, justamente os que não precisariam tanto dessas verbas.
E como a cultura no Brasil é dominada pela esquerda há décadas, claro que essa patota é a turma socialista, a "máfia do dendê", como chama o músico Lobão. Daí a reação de muitos à direita, revoltados com a Lei Rouanet, considerada instrumento de vantagens para essa elite vermelha.
Fernanda falou também sobre a polarização crescente no país, o impacto das redes sociais e da militância presa em bolhas:
Hoje existe a dependência das redes na divulgação e propagação de qualquer coisa.
Hoje em dia você tem que alimentar milhões de tamagochis, senão eles morrem. São milhões de pequenos blogs, pequenos canais, você tem muito menos controle do que você fala e do que aquilo vai ser entendido. Como tudo é organizado em bolhas, você pode estar sendo adorado por uma bolha e sendo odiado por outra bolha.
Essa questão das bolhas te incomoda?
No começo eu tive medo de escrever. Atualmente, por exemplo, eu não posto em rede social o que eu escrevo nas minhas colunas. Prefiro escrever para aquelas pessoas que de fato leem aquilo que eu escrevo. A tentativa de tentar me comunicar com o mundo não existe mais. Não existe mais a opinião pública. Existe o seu gueto e o que você pode fazer no seu gueto. A hora em que eu entendi isso foi uma libertação.
O que você estranha nos comportamentos hoje?
Eu estranho muito a volta a uma militância, que é algo que a minha geração também parou de ter. O mundo está muito mais aguerrido, mais entrincheirado. Me sinto defasada nisso e nessa horas você vai sentindo envelheceu, que já não fala a linguagem do seu tempo. Por outro lado você também não quer falar a linguagem do seu tempo.
São pontos com que todos podemos concordar, independentemente da inclinação ideológica.