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Existem muitos militantes disfarçados de jornalistas, gente sem qualquer compromisso com a realidade, uma turma cínica que merece apenas desprezo ou críticas que desmascarem o espetáculo pérfido.
Mas há, claro, um grupo capaz de diálogo civilizado e bem-intencionado, que julgo apenas equivocado. São jornalistas que adotaram uma visão de mundo "progressista" e parecem não conseguir enxergar a realidade fora dessa bolha.
Coloco Pedro Doria, do Globo, nessa segunda categoria. Tenho acompanhado seu esforço em definir conceitos políticos, em falar de liberalismo, por exemplo. Mas noto a falta de embasamento, que reputo a essa miopia. Quando Obama é considerado um liberal, temos um grave erro de premissa.
Doria publicou um texto hoje que deixa clara essa incapacidade de compreender os fenômenos recentes da política, nacional e internacional. Ele, como tantos outros "progressistas", acha que a democracia corre perigo, e por conta do nacional-populismo de figuras como Trump e Bolsonaro.
Isso seria fruto não de uma reação legítima de boa parte do povo aos excessos "progressistas", mas sim de um deliberado trabalho ao longo dos anos nas redes sociais. Diz ele:
Quem vê fake news, assim como quem vê robôs no Twitter ou consultores da Cambridge Analytica está vendo árvores. Não a floresta. O que facilitou a eleição do presidente Jair Bolsonaro — ou de Donald Trump, ou do Brexit — foi bem mais complicado do que isso. Hackearam a democracia.
É preciso entender, antes, o que separa movimentos populares espontâneos e sem liderança, que foram e são promovidos online desde a Onda Verde no Irã, do populismo digital. Entre os espontâneos, há nosso junho de 2013, assim como a Primavera Árabe, os Indignados espanhóis, Occupy Wall Street e mesmo as passeatas chilenas de 2019. Em comum têm, principalmente, o caos.
Eles não entendem o fenômeno e não aceitam o resultado das urnas! A "Primavera Árabe" foi espontânea, mas Trump e Bolso não! Na verdade, quase o oposto é verdadeiro. Movimentos como a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street e as badernas chilenas foram arquitetados, contaram com organização de cima para baixo, de gente que usou pretextos para alimentar a fogueira.
Já Trump, Brexit e Bolsonaro são resultados de uma revolta legítima e espontânea, por conta dos abusos de uma elite cosmopolita cada vez mais radical no combate aos valores tradicionais, e também ao avanço globalista que ameaça a soberania nacional dos países.
Pedro Doria conclui com a defesa da "regulação" das redes sociais, ou seja, uma espécie de censura para "proteger" a democracia desses "fascistas". A internet furou a bolha da mídia, dominada pela hegemonia esquerdista, e é com isso que esses jornalistas não estão sabendo lidar. Com a perda do monopólio da narrativa. Diz Doria:
As plataformas têm responsabilidade. Seus algoritmos ajudam a ampliar a voz de poucas pessoas, acelerando a estratégia para formar consensos artificialmente. Fake news, assim como bots, fazem parte da palheta de ferramentas da manipulação. Mas o que ameaça a democracia é seu sequestro pelo método de Casaleggio. É hora de botar foco nisto. A União Europeia já tem relatórios sobre o assunto.
O que ameaça de fato a democracia é justamente a postura de "resistência" de muitos que apelam para métodos autoritários, imbuídos da nobreza de seus atos, pois combatem o "fascismo". Aplaudir o arbítrio do Supremo, o controle das redes sociais em nome do combate às Fake News, fazer vista grossa até aos radicais de esquerda, marginais como os antifas e as torcidas organizadas, só porque atacam esses governos nacional-populistas, eis o real risco à democracia.
PS: O melhor livro que recomendo para quem quer entender melhor o fenômeno do nacional-populismo, sem teses conspiratórias, é National Populism: The Revolt Against Liberal Democracy, de Roger Eatwell e Matthew Goodwin, que resenhei aqui na Gazeta.
PS2: O podcast Ideias desta semana foi justamente sobre esse tema, e aqui o leitor pode ver minha primeira participação: