Por Carlos Junior, publicado pelo Instituto Liberal
O Brasil é um país deveras singular. Seus desenvolvimentos históricos na política, na cultura e nas suas estratificações sociais dão à nossa amada nação um vigor ímpar, uma trajetória própria e incomparável com qualquer outra pátria neste mundo. Conhecer o Brasil é encontrar respostas para os mais diversos questionamentos que por ventura podem surgir ao estudá-lo.
Uns dos questionamentos frequentemente surgidos é: por que o liberalismo praticamente nunca logrou êxito no Brasil? A resposta pode ser encontrada na história de nossa pátria; os fatores brasileiros hostis ao liberalismo são de aspectos culturais, ideológicos e de formação e povoamento.
O liberalismo político tem na Inglaterra uma boa vitrine. Afinal, desde a Carta Magna de 1215, o rei nunca cantou de galo para cima do povo e do parlamento. Com as tribulações religiosas resultantes do rompimento feito por Henrique VIII da Igreja inglesa com a Santa Sé romana, a soberania do parlamento frente ao executivo real foi reafirmada com as ‘’revoluções’’ puritana e gloriosa. Um poder estatal diminuto e bem estabelecido foi sem dúvida um terreno fértil para o liberalismo econômico ali encontrar morada.
Além disso, o iluminismo britânico foi um fator importante no campo cultural para tal desenvolvimento liberal. John Locke era defensor de que o homem tem direito natural à vida, à liberdade e à propriedade e que o organismo governamental não pode interferir em tais direitos. O iluminismo ali foi diferente de seu semelhante francês, o que explica a brutal diferença de destino da Inglaterra e da França. A conservação dos direitos naturais do homem foi a base do liberalismo inglês e isso foi a base para o desenvolvimento do capitalismo liberal na terra da rainha.
Se na Inglaterra o liberalismo encontrou condições propícias para o seu desenvolvimento, no Brasil foi totalmente diferente. A primeira coisa a pensar é o fato de que as navegações portuguesas descobridoras do Brasil foram um empreendimento estatal realizado pela Coroa portuguesa. Já em 1549 tivemos um governo-geral, com Tomé de Sousa como nosso governador-geral. Mas que sentido havia estabelecer governo em uma região praticamente desabitada e com apenas o litoral povoado?
Esse é o ponto central da questão: tivemos governo antes de ter povo. Tivemos executivo antes de existir um corpo político propriamente dito. Tivemos a máquina estatal antes de uma população organizada. Essa constatação aparece no livro do historiador João Camilo de Oliveira Torres, intitulado Interpretação da Realidade Brasileira. Com isso, o poder estatal é sempre o agente de transformação no campo econômico, social e político, e não o contrário. Esse fato é permanente em nossa história, o que explica a visão tipicamente brasileira do governo como solução dos problemas e motor do progresso – mesmo que a realidade mostre exatamente o contrário.
Ora, em um país colonizado por uma metrópole decadente e com péssimas gestões em todos os sentidos – a pior delas a do Marquês de Pombal –, não havia ambiente para o surgimento do capitalismo liberal. Em solo tupiniquim, o povoamento era escasso, os indivíduos viviam isolados uns dos outros e as comunicações eram péssimas. A arrecadação das províncias era pequena, a maioria da população era analfabeta e sem afeição aos negócios. A garantia de liberdades e direitos era precária pela própria dificuldade de fiscalização e aplicação da lei. Como possuir capitalismo em um ambiente como esse?
Somem tais fatores ao golpe republicano de 1889. O advento da República era um misto de positivismo com americanismo, correntes intelectuais completamente estranhas ao nosso país. Fragilmente estabelecida, tal forma de governo trouxe duas coisas: aumento do tamanho do Estado e uma permanente instabilidade política. Com instituições frágeis e pouco respeito às leis, não há como estabelecer um Estado liberal de direito, como em outras nações.
A partir daí, pipocaram os mitos antiliberais. Primeiro veio o varguismo. De inspiração fascista, antiliberal e trabalhista, Getúlio Vargas governou o país com mão de ferro, em uma ditadura estranhamente lembrada por seus supostos benefícios aos trabalhadores brasileiros. A CLT – consolidação das leis trabalhistas – até hoje vigente é uma herança do nefasto período. As bases da indústria nacional também tiveram na Era Vargas a sua gênesis. O protecionismo danoso travestido de nacionalismo econômico também surge daí. Com esses três pilares, o varguismo fincou raízes na política e no imaginário brasileiro de forma duradoura.
Falamos dos entraves ao liberalismo no âmbito cultural. Mas não posso deixar de destacar a Constituição de 1988. Ela também explica a dificuldade de o liberalismo lograr êxito por aqui. A Constituição de 88 é de inspiração socialista, progressista e também trabalhista, fato admitido pelos ex-presidentes Lula e Michel Temer. Até mesmo o ex-presidente José Sarney admitiu o óbvio: a CF de 88 tornou o país ingovernável. Incutiu mais ainda a ideia do Estado como provedor de direitos e serviços gratuitos, sem que o povo tenha nada a dar em troca.
Com esse quadro, não é surpresa alguma o domínio político dos sociais-democratas do PSDB e do PT, partido que juntou a nata do gramscismo. Com esses dois partidos no poder, o estatismo foi intensificado a níveis elevadíssimos, em uma situação de difícil conserto. A tradição antiliberal do Brasil justifica em grande medida a hegemonia esquerdista nos campos políticos, culturais e imaginários brasileiros.
Se no conhecimento do passado é possível encontrar respostas no presente, a história brasileira não foge à regra. O liberalismo no Brasil sempre encontrou dificuldades para estabelecer morada, e não foi por acaso. As dificuldades não são pequenas, e só o futuro irá mostrar se serão superadas ou não.
Referências:
2.https://www.youtube.com/watch?v=Io3N-GPOrws
4.https://www.conjur.com.br/2008-set-14/constituicao_88_tornou_pais_ingovernavel_sarney